Atualmente, vou pouco ao cinema. Desde que minha filha nasceu, meu tempo livre é reservado acima de tudo para ela, de modo que o prazer de uma boa sessão cinematográfica foi ficando para trás. Aliás, já ficara de qualquer forma, porque em Belém não existe cinema, só aquela bostaporcaria do Moviecom, já retratado em diversas postagens aqui do blog. Mas não falemos nisso. O foco, agora, consiste em deixar uma breve impressão sobre Toy Story 3, declaradamente o capítulo final de uma saga criada pela insuperável empresa de filmes de animação Pixar.
Toy Story 3 (dir. Lee Unkrich, 2010), cuja estreia mundial se deu em 18 de junho passado, é a prova da excelência de um projeto. Não se trata, como pensariam os incautos, de um simples conjunto de animações infantis, destinado a gerar renda para a esfomeada indústria cinematográfica estadunidense. É, de fato, uma saga, porque constroi detalhadamente personagens (os chamados personagens "redondos", dotados de complexidade psicológica), cujas trajetórias são mostradas no tempo, de modo coerente e com uma lucidez à primeira vista inesperada numa obra cujo público-alvo, em princípio, são crianças.
Frequentemente discordo das opiniões do crítico Pablo Villaça, que ficou muito marrento nos últimos anos (doença que parece acometer todos os críticos de cinema; aliás, de qualquer coisa), mas concordei com sua entusiasmada paixão por este filme.
Dois de seus comentários são irretocáveis: se você revê a cara de um personagem surgir na tela e isso lhe proporciona uma sensação de reencontro, de alegria, é porque aquele elemento ficcional foi bem sucedido na tarefa de cativá-lo. O segundo acerto está na afirmação de que a obra em apreço é "uma montanha-russa emocional de fazer inveja a muitos projetos voltados ao público adulto".
Vamos por partes.
O primeiro Toy Story (dir. John Lasseter) data de 1995. Oficialmente, é considerado como o primeiro longametragem totalmente feito por computação gráfica, porque Hollywood não toma conhecimento do brasileiro Cassiopeia (dir. Clóvis Vieira, lançado apenas em 1996). E é o primeiro filme feito pela Pixar em parceria com a Walt Disney Pictures. Esta última é mais famosa perante o público leigo, mas tenho minhas razões para afirmar que os méritos da agora trilogia são tributáveis à Pixar, esta sim boa em contar histórias.
Toy Story 2, também de Lasseter, é de 1999. Ou seja, não necessariamente com a intenção prévia de fazer uma trilogia (política da moda já há alguns anos), e sem se deixar dominar pelo objetivo de lucrar com o sucesso do primeiro filme e com as vendas de produtos licenciados, os produtores esperaram quatro anos para lançar o segundo. E esperaram mais de dez anos para lançar o terceiro. Tempo suficiente para maturar ideais e produzir um roteiro que é mais do que simples entretenimento. E o fato de, na trama, terem se passado justamente dez anos e vermos o principal personagem humano, Andy, aos 17, a caminho da universidade, dá uma curiosa veracidade ao enredo.
Como não sou crítico e nada entendo de cinema, o que me faz gostar ou não de um filme é um aspecto mais restrito: a história é boa? Nada sei sobre fotografia, cores, planos, movimentos de câmera e outros quetais. Posso avaliar, apenas, se a história é bem contada, se convence, se emociona. E aqui estamos diante de um espetáculo.
Aviso de spoilers: se não viu os filmes mencionados, não prossiga na leitura.
O roteirista Michael Arndt tem em seu currículo o adorável Pequena Miss Sunshine (dir. Jonathan Dayton e Valerie Faris, EUA, 2006), que mostra uma família quase arruinada pelos delírios de grandeza do pai, pelas bizarrices do filho adolescente e pela aparente incapacidade da mãe de lidar com a situação, além das dificuldades econômicas que enfrentam e pela inesperada chegada de um tio que acabou de tentar o suicídio devido a uma frustração amorosa homossexual. Em meio a isso, um avô sem noção permite que a pequena Olive conserve as fantasias da infância. Os dois doidinhos, assim, talvez sejam os mais lúcidos da história. E a obsessão pelo sucesso, imposta pelo american way of life, leva essa família, que não chega a se detestar, mas que com certeza não se reconhece, a uma improvável viagem de Kombi em torno de um objetivo comum. Ao final, ainda que derrotados e com uma importante baixa, a família se redescobriu.
Arndt, portanto, era perfeito para escrever Toy Story 3. O mundo improvável de brinquedos que são seres vivos e conscientes, dotados de personalidade claramente definida, ganha verossimilhança, chegando mesmo ao ponto de permitir oportunas análises sociológicas. Veja-se o caso de Lotso, ursinho de pelúcia com cheiro de morango (em destaque, no centro da imagem 3). É um autêntico sociopata: escondido sob uma capa amistosa, de uma liderança conquistada graças à pureza de seus ideais, vive um monstro, criado a partir de um trauma emocional decorrente de uma rejeição. E não é exatamente assim que acontece? Não é, também, graças a traumas, abandonos e violências que nasce boa parte dos criminosos nossos de todo dia?
Lotso divide os brinquedos que habitam a sala onde brincam as pacíficas crianças maiores e os condenados a padecer nas mãos das pequenas, que destroem, riscam, batem e babam. Não é essa uma metáfora das divisões de classe, que conhecemos na vida real? No filme, os pobres, os desvalidos, os menos instruídos são representados pelos brinquedos novos, que precisam viver uma longa provação até demonstrar mérito para mudar de sala, mas esse mérito na verdade consiste em cair nas graças do pequeno núcleo de poderosos: Lotso e seu séquito. É quase um esquema mafioso, no qual a elite segue sem questionar as ordens de quem arrebatou o poder e a maioria vive sem saber por quê, achando que as coisas são do jeito que são por alguma ordem natural do universo.
Não falta um personagem, o Bebezão, que representa o braço armado do capo. Uma espécie de polícia, que faz o trabalho sujo. Infradotado intelectualmente, mas grande e forte, é manipulado pelo líder, sem perceber que não passa de um joguete em suas mãos. No dia em que o contraria, é humilhado e descartado como todos os demais.
Acredite, Toy Story 3 permite uma grande reflexão sobre o mundo em que vivemos.
A certa altura, cumprindo a função de clímax emocional que consta da cartilha de roteiros de Hollywood, todos os nossos protagonistas são postos numa situação limite: a iminência da morte, que se apresenta como uma realidade inevitável e grotesca, porque serão incinerados. Numa cena que promete entrar para a história do cinema como uma das mais dramáticas já realizadas, eles aceitam o destino que não podem mudar e se dão as mãos. Nessa hora, confesso, irritei-me com o estilo Disney de contar histórias (chore, chore, chore sem parar!). E a receita funciona. Ao meu lado, Polyana chorava copiosamente. Mas, convenhamos, se tudo é ficção, qual a diferença entre um personagem brinquedo e um personagem humano? Se você realmente se importa com aquelas criaturas, por que não extravasar a angústia?
É óbvio que, no fim, os nossos queridos protagonistas são salvos, novos personagens graciosos são introduzidos (mais produtos licenciados...) e todos terminamos sorrindo. Mas há uma emoção final, grande, quando Andy rompe com sua infância, no sentido de aceitar o fato de estar se tornando adulto, e doa todos os seus brinquedos remanescentes, inclusive Woody, que pretendia levar para a universidade, para Bonnie, uma menina concebida para virar a nova paixão do público. Somente com uma Bonnie entrando em cena podemos suportar a dor de uma separação esperada, mas mesmo assim difícil de enfrentar.
Se não viu, veja. Se já viu, veja de novo, com um outro olhar. Toy Story 3 é uma experiência intensa e difícil de repetir. Uma autêntica obra-prima.
4 comentários:
Eu, depois que meus filhos cresceram (isso já faz muuuuuuuuuuito tempo), nunca mais fui ao cinema ou vi na tv, filmes para crianças...
Não sei nada sobre os lançamentos infantis, que inclusive, arrasam na bilheteria.
Agora, o "Pequena Miss Sunshine" eu também adorei. Vi "trocentas" vezes.
Opa. Como vai?
Meu nome é Pedro Miguel. Sou do interior de Minas e curso Direito
pela PUC Minas. Há algum tempo, venho acompanhando seu blog.
Aprendo muito com o que você escreve. Seus textos são de grande
valor para nós, que estudamos direito por amor. Parabéns!
Inaugurei um novo blog jurídico na internet. Diga-se: minhas intenções,
evidentemente, não é ser melhor que ninguém ou, ainda, ter um blog
de referência. Tomei tal iniciativa, apenas para poder comentar sobre o
duro (e bom) caminho percorrido pelo estudante durante seus 5 anos de
faculdade. Fazemos muitos amigos, sendo que, alguns deles serão
lembrados por toda vida. Dominamos uma nova ciência, que nos desafia
a cada novo período, mas é uma grande paixão. Passamos a entender
fatos que, até então, não faziam o menor sentido. Por que não escrever
sobre esses fatos? Eu acredito que juntos, podemos extender o amor e
doação à ciência jurídica para muito além dos muros da universidade!
Por tanto, pensei que você poderia me ajudar nesse início. Sou novato
em publicações e, por que não, no próprio Direito. Lhe peço, humildemente,
que avalie a possibilidade de divulgar nossos blogs mutuamente. Eu indico
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Podemos começar com o exposto e, sermos nele, bem sucedidos agora
mesmo.
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Nossa união, somada à nossa vocação e boa-fé nos daram
bons frutos!
Atenciosamente, Pedro Miguel
"Amigo, estou aqui"...Toy Story fez parte da minha infância. Ainda tenho o VHS. Assisti o 3 no dia da estreia, sem saber disso. E me surpreendi. Melhor filme da Disney em tempos. Também me ocorreu que deixa no chinelo muitos "filmes de adulto".
(SPOILER ABAIXO!)
A parte da incineração é angustiante mesmo... não sei se a mensagem era para ser essa, mas foi o que me passou: eles foram salvos porque se juntaram. Caso contrário, um ou outro acabaria não sendo resgatado pelo guindaste.
Concordo em gênero, número e grau com tudo o que foi dito. Toy Story 3 é intenso, reflexivo e emocionante. Não a toa já assistir duas vezes e após esta leitura aqui no blog, pretendo assistit mais uma vez. O que mais me emocionou foi a despedida do Andy com o seu universo infantil, com a sua família e com tudo o que já era conhecido, brincando pela última vez com a Bonnie e os brinquedos, como se fosse uma despedida de quem está preste a encarar toda a novidade e incerteza da vida adulta. Confesso que mentalmente, qnd o filme acabou, me despedi do Woody, Sr. Cabeça de Batata, Buzz e Rex. Genial o filme! Encantador.
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