Minha mãe, que parece nunca ter compreendido plenamente as implicações do fato de eu ser um penalista, ficou incomodada, certa vez, ao ver a quantidade de livros que tenho sobre mentes criminosas, psicopatas, Medicina Legal (e suas fotografias!) e congêneres. Como boa mãezinha que é, preocupou-se com os efeitos desse tipo de leitura sobre o meu espírito. Ela não sabe para que preciso de tudo isso.
Pois bem, não tendo formação em Psicologia, preciso dessas leituras para tentar entender, minimamente, o que se passa dentro da cabeça de gente como esse tal de Bruno, protagonista do atual escândalo criminal do país. Não se trata de entender para fins estritamente profissionais — usar o episódio como exemplo em minhas aulas, ou mesmo fazer um estudo de caso. Algo com tamanha repercussão sempre motiva o alunado e facilita a abordagem de certos temas, tais como concurso de agentes, responsabilidade do adolescente infrator, o já demolido mito do sem-cadáver-não-há-crime e outros.
O meu interesse principal é tentar entender essas criaturas para a minha vida, mesmo. Para aprender a suspeitar de sinais e, quem sabe, conseguir proteger a mim e às pessoas que amo de gente parecida, quanto seja possível.
Suspeito n. 1 desde o primeiro momento, o sujeito sempre negou qualquer envolvimento com o desaparecimento e provável homicídio da vítima. E sempre manteve a calma, apesar de provas relevantes indicarem o contrário (sangue em seu automóvel, p. ex.). Passados vários dias de intensa exploração midiática, o sujeito concedeu uma coletiva negando tudo e se fazendo de desentendido. Aí surgiram as testemunhas, os coautores e as confissões. Mesmo assim, o advogado do goleiro ainda afirmava que seu constituinte estava "estarrecido" com a absurda versão do adolescente envolvido.
Com as mais recentes descobertas, que revelaram não apenas o homicídio, mas a destruição do cadáver em condições de violência superlativa, foi decretada a prisão temporária do suspeito que, por demais conhecido, não teria grandes condições de manter-se foragido. A solução foi negociar a entrega "espontânea", o que ocorreu ontem, no final da tarde. E após a prisão, em contato com a imprensa, o que declarou Bruno? Ele está preocupado com a sua provável futura condenação? Com a vítima? Com a criança órfã? Não. Ele está chateado porque sua esperança de jogar na copa do mundo de 2014 acabou...
Talvez Bruno não seja um psicopata. Talvez seja uma pessoa com desenvolvimento intelecto-emocional interrompido, uma espécie de adulto cuja mente estagnou na infância. Com isso, além de não saber lidar com a frustração e reagir fazendo tolices (que, no adulto, evoluem para violências), não compreende a extensão e as reais consequências de seus atos. Além disso, move-se com atenção voltada para objetivos imediatistas, p. ex. jogar na copa. A Psicologia pode explicar isso. Aprender o funcionamento dessa tortuosa dinâmica poderia ser útil para todos nós.
Instruído por seu advogado, Bruno não falou sobre o crime. Só falará em juízo. Melhor assim. Jogador de futebol, quando abre a boca, dá nisso.
Agora é aguardar o encerramento das investigações, conduzidas em Minas Gerais por um delegada arretada, e a futura ação penal. A supercobertura criminal da imprensa, que teve nos casos Isabella Nardoni e Eloá Pimentel grandes expoentes, já tem o seu novo filão.
7 comentários:
Sem comentários.
É cruel demais...
Acho incrível que homens, e são quase sempre homens, achem que podem matar e nada acontecerá. Neste caso acho que, além do machismo, há a questão da fama, do poder da grana.
Infelizmente, minhas esperanças de que algo aconteça com ele não são muitas. Deve ser preso mas, logo, logo, vai ser solto. E se duvidar, ainda vai ter fama.
E tudo isso por causa de uma criança, do egoísmo supremo de não querer arcar com sua responsabilidade pagando a devida pensão.
Que mundo...
Não jogar na Copa do Mundo? Que isso, depois que elegeram o Maluf novamente, depois de tudo que ele aprontou, não duvido de mais nada.
Alexandre
Estou mais tranquilo em relação ao futebol do que era anos atrás, quando tinha uma compulsão pelo esporte.
Mas, ainda assim, não me escapou uma pérola do Bruno há uns meses atrás, antes de tudo isso.
Ele foi defender o Adriano, que na época estava envolvido com uma mimada barraqueira - que havia levado o namorado ou marido anterior à falência (e, por sua vez, o Adriano não foi à Copa). O atacante tinha brigado com ela em uma festa em um morro, e ela, num acesso de fúria (dizem que ela já parou o trânsito do Rio pra discutir com um motorista de caminhão que teria tentado cortá-la), tinha quebrado os vidros dos carros dos outros jogadores do Flamengo.
Pois bem, o Bruno indagou os jornalistas sobre o ocorrido, dizendo algo como "pô, quem nunca brigou com a mulher? quem nunca até saiu não mão com a sua??".
Sim, sim...sensacionalismos a parte, ainda preciso lembrar que o estado de inocência se aplica ao Bruno. Aparente tranquilidade quanto ao caso? Pode até ser a certeza da inocência.
Calma, não me crussifiquem precipitadamente. Não estou defendendo ações como a que pode ter acontecido (sim, pode pode não ter acontecido, pois até agora só temos testemunhas e todos sabemos a fragilidade da prova testemunhal).
Prisão temporária (uma raridade entre as cautelares) era mesmo necessária? Causou algum tumulto as investigações?
Minha única preocupação é não banalizarmos o estado de inocência e abusarmos das cautelares como antecipação de pena, pois afinal, garantias fundamentais são para todos.
Ordem pública?!?!
Lá vem a velha história de acautelar o que não se pode acautelar...
e lá vamos nós outra vez...
LEI Nº 7.960, DE 21 DE DEZEMBRO DE 1989.
Art. 1° Caberá prisão temporária:
I - quando imprescindível para as investigações do inquérito policial;
II - (...)
III - quando houver fundadas razões, de acordo com qualquer prova admitida na legislação penal, de autoria ou participação do indiciado nos seguintes crimes:
a) homicídio doloso (art. 121, caput, e seu § 2°);
l) quadrilha ou bando (art. 288), todos do Código Penal;
LEI Nº 8.072, DE 25 DE JULHO DE 1990.
Art. 1º. São considerados hediondos os seguintes crimes, todos tipificados no Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, consumados ou tentados:
I - homicídio (art. 121), quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado (art. 121, § 2o, I, II, III, IV e V);
§ 4o A prisão temporária, sobre a qual dispõe a Lei no 7.960, de 21 de dezembro de 1989, nos crimes previstos neste artigo, terá o prazo de 30 (trinta) dias, prorrogável por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade.
Para o caso do goleiro do Flamengo, a prisão cautelar (sem pena, provisória), decretada durante o inquérito policial, em nada fere sua presunção de inocência por não se tratar de antecipação da pena. No caso, tem por objetivo facilitar as investigações e evitar possíveis ataques às provas ou, ainda, para impedir possível fuga do indiciado, sabe-se, com condições financeiras para isso. E até mesmo para a própria proteção do goleiro, diante da comoção que tomou o caso. Penso que a prisão provisória foi bom para ele.
Por outro lado, a decretação da prisão cautelar do indiciado tem estrita relação com existência dos requisitos da prova da existência do crime e indícios de autoria (art. 312, CPP), os mesmos da preventiva. Isto porque não se admite, de fato, interpretação como sendo uma antecipação da pena, diante do princípio da presunção da inocência, pelo qual ninguém poderá ser considerado culpado senão depois de transitar em julgado a sentença. Ou seja, a regra é somente prender após condenação definitiva, deixando como exceção a prisão cautelar, devendo o juiz motivar sua decisão, demonstrando a necessidade da medida e periculosidade do agente (art. 93, IX, CF).
Além do mais, a garantia da ordem pública justifica-se pela potencial sensação de impunidade, diante de indícios fortes e contundentes, para que a sociedade não se sinta desamparada pela Justiça, como ocorreu com Pimenta Neves, assassino confesso da jornalista Sandra Gomide. Em sendo assim, a segurança do próprio indiciado estaria em risco. Nesse sentido, o goleiro Bruno Fernandes engoliu um frango em final de campeonato, diante da maior torcida de todas, qual seja, todos os brasileiros que clamam por justiça. Não porque simpatizem com a vítima, mas porque desejam ver a justiça ser feita também para os famosos e ricos.
Quanto à prova testemunhal, ela é tanto menos frágil quanto mais verossímeis forem os depoimentos, no caso ainda corroborados por prova pericial, tal como o sangue da vítima no carro do goleiro.
Portanto, pensar-se a presunção de inocência como um princípio absoluto, a ponto de contrapor-se à segregação necessária nos casos estabelecidos em lei, pode gerar efeito pior que que uma eventual injustiça cometida contra um cidadão. Deve-se, assim, pensar na justiça como um bem social, ao invés de vê-la como uma garantia individual.
Fernando, casos assim revelam esse pensamento arraigado em nossa sociedade: a inferioridade das mulheres. Isso está na raiz desse pensamento de que matar uma mulher não é algo tão grave assim, por isso posso fazer. Inacreditável, mas real. Como, aliás, se pode perceber pelo episódio ridículo lembrado pelo Caio.
Alexandre, considerando que daqui a quatro anos o sujeito ainda estará bem encalacrado, e que na prisão ele não manterá a saúde e a agilidade, acho que o cara perdeu muito mais do que a copa de 2014.
Antonio, o Fred me economizou um pouco de trabalho lembrando o instituto da prisão temporária. Sei que ele é controverso, desde a sua origem. Mas apesar de todo o meu espírito garantista, não tenho todas essas reservas que manifestas. A começar pelo fato de que não sou o juiz da causa, por isso não preciso ter isenção.
O estado de inocência é uma ficção processual, que não nos impede de, aplicando a lógica sobre os fatos, concluir que se essa moça não foi morta por Bruno e cia., então foi pelo homem de um braço só! Isso seria bem surpreendente.
O cara é culpado, Antonio. E acho que ele está exatamente onde merece. Mas esse será um caso difícil, devido à falta de corpo. Farei uma postagem específica sobre isso adiante.
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