domingo, 18 de julho de 2010

desCasos

Dia desses, navegando em um site de comércio eletrônico na seção de livros, deparei-me com este desCasos: uma advogada às voltas com o direito dos excluídos, escrito pela advogada Alexandra Lebelson Szafir e publicado pela Editora Saraiva. A temática me interessou de imediato mas, sem poder manusear a obra, não pude dosar o meu interesse.
Ontem, em uma livraria do tipo que já existiu em Belém (e que está prestes a voltar a existir, espero), encontrei o opúsculo, de apenas 82 páginas, em tamanho pequeno. Uma folheada mínima me levou a adquiri-lo na hora. Hoje, passei à leitura e, de imediato, à vontade de escrever sobre ele aqui no blog.
A primeira coisa que me chamou a atenção no livro foi uma observação logo na terceira página. Trancrevo-a:

Em resposta à lição aprendida de que não é necessariamente por dinheiro que damos o nosso melhor, e em homenagem à autora desta obra, este livro foi produzido por meio de trabalho voluntário dos profissionais da Editora Saraiva, da Aero Comunicação e da Gráfica EGB.

Logo percebi que havia um ar de reverência em torno da autora, o que se confirmou no prefácio escrito pelo famoso advogado Alberto Zacharias Toron, que assinou como diretor do Conselho Federal da OAB, mas que é também colega de escritório da autora. A impressão inicial de que havia uma certa bajulação nessas atitudes se dissipou, contudo, quando entendi que Alexandra Szafir é tão admirada não apenas por seu trabalho (o que já bastaria), mas por realizá-lo em condições adversas. Ela sofre de esclerose lateral amiotrófica, a mesma doença que acomete o físico inglês Stephen Hawking.
Passamos a entender, então, por que uma pessoa com tanto para contar escreve tão pouco: Szafir somente pode produzir a sua obra porque se utilizou de softwares que, como ela mesma explica, utilizam uma webcam para focalizar o seu rosto e se fixar no ponto central (nariz), que comanda o mouse e permite a digitação em um teclado virtual.
Mas a minha intenção não era focalizar no aspecto pessoal da autora, e sim em suas ideias. Para ser bem honesto, o livro não traz novidades para quem trabalha com o sistema de justiça criminal. Mas ele é importante porque a esmagadora maioria das pessoas simplesmente não tem a menor noção de como é a realidade do crime neste país e do sistema que, supostamente, tenta reagir a ele. Nesse sentido, o livro é bastante luminoso e didático e já está na minha lista de indicações de leitura para os meus alunos de Penal I.
Dando especial relevo ao papel do advogado criminalista na administração da Justiça, Szafir conta histórias que impactam e nos levam a refletir, fazendo duras (e merecidas!) críticas ao Judiciário, ao Ministério Público e às polícias. Isto sem deixar de criticar duramente, também, os advogados negligentes e clientelistas.
Para dar uma pequena mostra do espírito da obra, ela começa falando de um desembargador que dormia durante a sessão de julgamento e, ao ser acordado pelo advogado que chegava para fazer uma sustentação oral e estava sentado, adverte-o com virulência, pois na corte só se pode falar de pé. Ocorre que o advogado era paraplégico e sua resposta ecoa na alma: "Excelência, eu, mais do que ninguém, gostaria de falar em pé..."

Essas são as histórias de DesCasos. Leia e aprenda, com Alexandra Szafir, três princípios para advogados criminalistas:
1. Jamais deixar de defender alguém apenas porque não pode pagar.
2. Salvo em casos excepcionais, jamais defender alguém de graça pela segunda vez.
3. Sempre examinar o processo antes de decidir.

3 comentários:

Ana Miranda disse...

Ainda bem que existem advogados como você e a Alexandra Lebelson Szafir, e com certeza, muitos outros por esse Brasil afora.

Luiza Montenegro Duarte disse...

Fiquei na dúvida sobre o segundo princípio. Porque não defender alguém de graça pela segunda vez? Fiquei imaginando se seria pra não incentivar a pessoa a continuar cometendo crimes, já que saberia que não poderia mais contar com a ajuda daquele profissional, mas fiquei curiosa sobre a verdadeira razão.

Yúdice Andrade disse...

Pena que eu não esteja advogando, Ana, devido a minha função pública. Mas é algo de que sinto muita falta. E um dia estarei de volta. Nesse dia, quem sabe possa fazer ao menos um décimo do que Alexandra Szafir já fez.

Ela não responde essa pergunta, Luiza, mas pelo espírito da coisa dá para perceber que o motivo é esse, mesmo: não estimular pessoas com más inclinações a delinquir, contando com uma defesa técnica caso se dê mal.