terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Contra a humilhação pública

PROJETO DE LEI N. [6446], DE 2009
(Do Sr. Nelson Goetten)

Veda a exibição de imagens que atentem contra a dignidade da pessoa humana em programas do tipo reality show.

O Congresso Nacional decreta:

Art. 1º Esta Lei veda a exibição de imagens que atentem contra a dignidade da pessoa humana em programas do tipo reality show.


Art. 2º Fica vedada a exposição de pessoas a situações e cenas, em programas do tipo reality show nas emissoras de radiodifusão ou nos canais de TV por assinatura, que possam ser caracterizadas como humilhantes, degradantes, que atentem contra a integridade física, psicológica e moral dos participantes ou que contrariem os preceitos do art. 5º, inciso III da Constituição Federal.

Art. 3º A inobservância do previsto no artigo anterior sujeita os infratores às penalidades previstas na Lei nº 4.117, de 27 de agosto de 1962, além de multa de até R$ 50 mil, por infração cometida.

§ 1º A multa será aplicada em dobro em caso de exibição de pessoas menores de idade.
(...)



JUSTIFICAÇÃO
O art. 5º da Constituição Federal estabelece que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, e que ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante (art. 5º, inciso III, CF).
Ademais, o mesmo artigo 5° estabelece que:
X – São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
XXVIII – São assegurados, nos termos da lei:
a) a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades esportivas.
A despeito da existência de tais mecanismos constitucionais de proteção aos direitos individuais, os castigos físicos e o tratamento humilhante, amplamente combatidos nos tratados internacionais e consolidados no ordenamento jurídico das sociedades democráticas, ganharam uma nova arena de exibição nos tempos modernos, que é mídia eletrônica. Desafio é o codinome que legitima a exposição de indivíduos a situações de risco real de morte e com efetivas conseqüências prejudiciais do ponto de vista da preservação da moralidade e da dignidade humana.
Na busca frenética pela audiência, muitas emissoras, das mais populares àquelas voltadas para o público de elite, como as TVs por assinatura, submetem pessoas comuns a momentos que beiram o escárnio e o desprezo aos valores humanos. São cada vez mais elásticos os limites de humilhação impostos nas competições televisivas, em nome de pseudo demonstrações de bravura ou coragem.
Pessoas são obrigadas a humilhar-se e violentar-se como demonstração de força e em busca da notoriedade instantânea. Vale tudo em nome da fama, mesmo que os participantes estejam submetidos a momentos de extremo constrangimento, coação ou embaraço. Certos tipos de provas como comer olho de cabra cru ou piaba viva ou enfrentar animais perigosos, como cobras e aranhas, não são raras. Outros tipos de perigo, como a proximidade a fios elétricos e a superação de obstáculos que levam à exaustão também são recorrentes, em troca de recompensas financeiras, diretas ou indiretas.
Esses programas são uma clara demonstração de violação dos princípios constitucionais da dignidade humana. Proibir a espetacularização da desgraça alheia é uma obrigação desta Casa, prevista no art. 221 da Constituição Federal, que estabelece que devem ser respeitados, entre outros preceitos, o respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família.
Dessa forma, apresentamos o presente Projeto de Lei, impondo limites para que, nestes programas específicos, sejam banidas as ações que signifiquem tortura física, provoquem dor e sofrimento, amedrontem, estigmatizem, degradem ou ridicularizem pessoas. Dentro da responsabilidade compartilhada de Estado, em que família e sociedade devem proteger os valores humanos, percebemos que esses programas que atingem milhares de espectadores já extrapolaram todos os padrões do socialmente aceitável.
Certos da importância da medida pretendida, contamos com o apoio de nossos pares para a aprovação do presente Projeto de Lei.

O nobre representante do PR de Santa Catarina, ao apresentar o seu bem intencionado projeto, lembrou-se de criticar as emissoras de TV que criam ou exibem tais programas, mas aparentemente se esqueceu de que os participantes são ao menos na esmagadora maioria dos casos indivíduos adultos, mentalmente capazes, que firmaram um contrato devido ao seu interesse particular de obter fama (???) e dinheiro, ainda que ao custo de sacrifícios e humilhações públicas.
Li, outro dia, um interessante artigo sobre o confronto que surge entre a liberdade do indivíduo que aceita se expor e a proteção da intimidade, como valor constitucional fundamental, a despeito disso. Infelizmente, não me recordo onde. Vou tentar lembrar. Mas, enquanto isso, já podemos refletir sobre os inconvenientes e os danos desse tipo de exposição. Sempre partindo da premissa de que entorpecentes, sexo com pessoa submetidas à escravização e reality shows somente existem porque há um grande público interessado em comprar tais produtos.
A proposição acima está sendo analisada pelas Comissões de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática e Constituição e Justiça e de Cidadania, sob regime de apreciação conclusiva, ou seja, dispensada a manifestação do plenário (Constituição Federal, art. 58, § 2º, I; Regimento Interno da Câmara dos Deputados, art. 24, II). Se as comissões temáticas aprovarem o texto, ele seguirá para o Senado.

2 comentários:

Ana Miranda disse...

Mas as pessoas têm as atitudes mais grotescas possíveis porque sabem que quanto mais baixaria houver, mais audiência terá, ou seja, mais eles serão vistos, então é meio complicado querer defender quem particamente se "autohumilha", né não???

Yúdice Andrade disse...

Eu diria que não precisam de defesa, Ana. São maiores, supostamente lúcidos, e se venderam para a Indústria do Entretenimento. Então, que se lixem!
Essencial, mesmo, é que haja mecanismos de controle por parte do poder público, para que não fiquemos expostos ao mundo cão, mesmo que essa seja a vontade da maioria.