Até a minha adolescência, vi nas ruas telefones públicos que funcionavam à base de fichas, que faziam um barulhinho característico quando coletadas, para que a ligação fosse completada. Essa, por sinal, a origem da gíria "a ficha caiu", que a garota continua usando, talvez sem saber de onde ela veio. Sempre pairava uma preocupação de que, em caso de ligação não completada, a ficha fosse "engolida" pelo aparelho. Perdi muitas. Era um horror. Às vezes ficávamos totalmente impossibilitados de fazer o contato que pretendíamos. Boa parte das pessoas que leem este blog jamais viu um telefone desses.
Na passagem da década de 1980 para a de 1990, surgiram os cartões telefônicos. Eram mais grossos e rígidos que os atuais. Eram, acima de tudo, muito mais funcionais, já que nos davam vários créditos, permitindo um número maior de chamadas ou maior tempo de conversação. Surgiu, também, o hábito de colecionar esses cartões, alguns dos quais belíssimos. O som da ficha caindo foi substituído por um bip curto. A raiva passou a ser o crédito ser consumido sem que a ligação fosse completada.
Em meados dos anos 1990, eis que surgiu o telefone celular, uma coqueluche instantânea para quem podia pagar pelo brinquedo, na época muito caro (a tarifa, sobretudo) e pessimamente servido de sinal. Surgiram as piadas sobre pessoas que precisavam fazer malabarismos para conseguir sinal (acredite, eu passei por isso, em Mosqueiro, chegando mesmo a subir num tronco de árvore para ficar mais alto; foi ridículo!) e o despeito de quem não podia comprar um. Na época, popularizou-se o deboche: Você sabe o que o celular e a celulite têm em comum? Todo bundão tem.
Pois é, possuir um celular era motivo de escárnio. No fundo, despeito. Tanto é verdade que, quando ele se popularizou, nenhum dos críticos deixou de pendurar um na cintura. E pendurar celular na cintura foi tema de muitos colóquios sobre etiqueta! Andei muito com o meu Nokia 232, analógico, preso ao cinto. Hoje, por via das dúvidas e por segurança, mantenho o meu aparelho escondido em algum bolso, o que é possível graças à redução do tamanho dos telefones.
E eis que esta semana precisei ir ao Shopping Castanheira e a bateria do meu celular acabou. Necessitava encontrar minha esposa e não podia telefonar. O jeito foi voltar no tempo e procurar um telefone público. No caminho, dei-me conta de que nunca soube fazer uma chamada a cobrar. Comecei a me sentir burro e a recordar algo sobre um código a discar (rectius: digitar! Telefone a disco é coisa de um passado distante!) antes do número a chamar. Mas precisei ler no próprio aparelho, para confirmar o código 9090.
Meus amigos, pobre de que não possui um celular hoje em dia! Eu tinha telefones públicos perto porque estava num shopping, mas na rua pode ser bem difícil achar um — ao menos um que funcione. Dos que tentei usar, alguns estavam quebrados. Todos estavam sujos e um pouco enferrujados. Testei um com teclas tão danificadas por uma ferrugem viscosa que me deu um certo nojo. Fiz diversas chamadas a cobrar. Nenhuma foi completada. "Após o sinal, diga o seu nome e a cidade de onde está falando." O sinal nunca veio e a chamada não se completava. Muitas tentativas depois, resolvi comprar um cartão telefônico. Levei três segundos para pensar em onde poderia encontrar um. Numa banca de revistas, claro. Fiz a compra e voltei aos telefones. Não adiantou. O crédito era consumido, mas a chamada não se completava.
Esse périplo todo demorou tanto que cheguei à conclusão de que minha esposa já terminara e devia estar a minha procura, no local mais provável: onde estacionei. De fato, encontrei-a lá. Ou seja, o telefone público não fez a menor diferença.
Este episódio me serviu de novo exemplo de como somos tratados como gado, no mau sentido, pelo poder público e pelas concessionárias de serviços públicos. Ficar sem celular, hoje, é quase garantia de ficar sem comunicação telefônica. Um vexame. E se eu estivesse em plena rua? Teria sido muito pior.
Que lástima.
4 comentários:
Putz, fiquei preocupada depois que li seu texto.
Eu dei um celular novo para minha filha, fiquei com o velho dela e como sou uma analfabeta tecnológica, não devia ficar fuçando nas coisas.
Pois bem, mas eu fucei tanto que bloqueei meu chip, como tenho "oi conta total", tive que ligar para a Oi e estou esperando até chegar o novo chip, enquanto isso, estou sem celular.
Mas nem estava preocupada exatamente por causa dos "orelhões", que há séculos eu não uso.
Vixi, e agora se e precisar de usar um telefone???
Oh, e agora quem poderá me defender????
Você poderá dizer-nos se a situação aí em Juiz de Fora é parecida com a do Brasil?
Caro Yúdice, acabou que meu marido não me deixou sair sem celular, me empurrou o dele, ele quis dar um de bonzinho, mas eu acho que ele quer mesmo é me controlar. Eh...eh...eh...
Então não precisei usar o orelhão, mas aqui em J.F., há "trocentos" orelhões no calçadão, sempre vejo as pessoas usando e nunca vi ninguém "brigando" com o aparelho, então acho que talvez funcione direitinho...
Sorte a de vocês, Ana, que os telefones por aí funcionam. A realidade aqui é outra.
Postar um comentário