Este final de semana me deu duas interessantes demonstrações de uma desagradável característica de Belém: a insuficiência de espaços adequados para o lazer das crianças. Dizer falta de espaços seria um exagero, considerando a grande quantidade de praças, o Museu, o Bosque e o Horto Municipal, mas que eles não suprem a demanda, isso com certeza, ainda mais porque mesmo as praças, locais abertos a todo tipo de público, são incrivelmente excludentes. Os mais afortunados receiam utilizá-las, por medo de assaltos, ficando restritos a horários específicos, como as manhãs de domingo (quando a Praça da República e Batista Campos ficam lotadas e relativamente policiadas). Os menos afortunados delas não se utilizam, talvez por não verem nelas um lugar que lhes seja destinado.
Diga a verdade: você vê famílias humildes brincando com seus filhos nas praças badaladas da cidade, fora dos horários de superlotação?
No sábado, eu trafegava pela rotatória da Júlio César com Pedro Álvares Cabral, no trecho que passa junto ao Sistema de Proteção da Amazônia — SIPAM. Ali, as obras provocaram retenção de água, grande o suficiente para não escoar nem evaporar. Formou-se uma enorme poça de água suja. Brinquei algumas vezes dizendo que o “Ação Metrópole” deu à cidade um laguinho. Constatei que minha ironia não estava desprovida de verdade. Às 16h30, cerca de cinco crianças curtiam um plácido banho, uma delas munida de boia, a clássica câmara de pneu. Sem a menor necessidade, claro, já que a água provavelmente não deve passar dos seus joelhos. Mas se é para curtir, então que se faça o serviço completo.
Ontem, no final da tarde, fomos conhecer a sorveteria e lanchonete Ice Bode, na Duque, atraídos pelo espaço destinado a crianças, de que já nos haviam falado. Percebemos de imediato que muita gente foi para lá mirando a mesma conveniência. A quase superlotação me levou a concluir que, se as pessoas se espremem numa casa como aquela, por causa de meia dúzia de brinquedinhos, é porque o baixo leque de opções (ou a preguiça, ou ambos) está influenciando.
Pobres crianças, que precisam se acotovelar em uns poucos metros quadrados, à caça de brinquedos que faltam em praças e condomínios.
Não quero forçar a barra, mas acabei me lembrando de quando li Eu, Christiane F., 13 anos, drogada e prostituída. No começo do livro, há uma explicação sobre as tétricas características do bairro e do prédio onde a protagonista morava, deixando clara a intenção de afirmar que, à míngua de espaços saudáveis de convivência, as crianças e adolescentes acabavam nos inferninhos onde eram apresentadas ao mundo cão. Trata-se de um exemplo, não uma regra, talvez. Mas que vale a pena prestar atenção nisso, vale.
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9 comentários:
Yudice,
Voltemos ao "laguinho" munidos de nossas máquinas e fotografemos isso, as crianças brincando na poça d´água.
No mais, sabes que cansei de procurar espaços para os filhos em Belém, as praças que me amedrontam e os clubes, sempre lotados. Resolvi isso me tornando freqüentador de Mosqueiro. Vou no sábado, levo uma penca de crianças e deixo-as brincando. Depois, praia, tapioquinha. Já viramos nativos.
Fernando, se eu estivesse com a minha câmera na hora, teria feito o registro. Lamentei muito não dispor dela.
A tua solução - Mosqueiro - é muito boa. Pena que, devido ao fato de ter duas ocupações profissionais e uma delas no magistério, os finais de semana sejam habitualmente utilizados para trabalhar. Nem de longe eu poderia pensar em solução semelhante.
Alerta as crianças frequentadoras do "laguinho" da rotatória da Julio César: O local está sendo frequentado por Jacarés, um filhote foi localizado neste fim de semana. Já pensou quando a mãe for procurar o seu rebento?
É sério, Luiz? Não tenho visto os jornais com regularidade. Publicaram alguma coisa ou foi outra a fonte?
A notícia me surpreende um pouco, porque apesar de o entorno conter muitas matas, onde facilmente podem viver jacarés, esses animais não buscam locais movimentados e barulhentos. Por outro lado, nunca soube de terem encontrado algum no SIPAM, p. ex.
Sim Yudice, saiu na edição do dia 21 corrente no Diário do Pará, anexei o link abaixo sobre a notícia.
http://www.diariodopara.com.br/imprimi_noticiav2.php?idnot=80034
Bom dia, caro Yúdice:
hoje, trabalhando em casa, me dei um tempo para passear aqui com calma. Que bom ler você!
Li acima e abaixo. E, apesar da nossa diferença de idade, alguns valores superam a diferença de geração. e a concordância dilui as idades.
O tempo da educação, da cortesia aprendida dentro de casa, das brincadeiras ingênuas, da alegria de ser criança com a leveza que, no geral, isso permitia, mudou tanto que às vezes temo que ele tenha acabado. Não apenas se transformado.
Belém é uma cidade cruel. Diferente da minha precipitada avaliação sobre ela, quando vim morar definitivamente aqui, há treze anos. Não é uma cidade democrática, como parecia, pelo simples fato de não ter ´"areas nobres". Aqui, misturam-se nas travessas e vilas da Av. Nazaré ou da Praça Batista Campos, alguns pobres "remanescentes entre os ricos" e isso dava aquela falsa impressão.
Belém é cruel, é excludente, é uma senhora - já não é mais uma moça - preconceituosa. Rancorosa, até.
O rancor vem de não se conformar de ter perdido o brilho do passado. Sua elite estúpida vive olhando para isso.
Belém envelheceu sem amadurecer.
A falta de espaços públicos de lazer e de cultura, o transiito caótico, o transporte público infame, nada disso importa aos donos - institucionais ou não - da cidade.
Eles têm seus barquinhos, seus aviõzinhos, seus clubes, suas "serventias", pagas a preço da borracha que não existe mais. Na doença, não vão ao PS da 14 de março. As escolas transformadas em escoadouro da falta de amor e de opções que damos aos jovens, também não incomoda os do andar de cima. Salvo quando um pivete lhes atravessa o caminho.
É essa cidade cruel, desigual, preconceituosa e atrasada que, infelizmente, Júlia e Bia têm como madrasta.
Desculpe o longo desabafo.
Abração.
Obrigado pela informação, Luiz.
Bia, nenhum problema em relação ao desabafo. Só lamento profundamente que esta cidade, que um dia elegeste, tenha se tornado tão grande decepção. Lamento que, agora, vejas essa escolha como precipitada. Porque esta é a minha cidade e amo isto aqui. Entristece-me que ela não consiga cativar as pessoas, nem mesmo as daqui.
Além das semelhanças que mencionas, estamos irmanados também na frustração.
Caríssimo:
perdoe se escrevi sem ter tato necessário, podendo com isto magoar quem aqui é nascido. Não que eu ache que tenha magoado você, mas pode acontecer com outros comentaristas, né?.
O descuido deve-se, possivelmente, ao fato de ser eu mais paraense do que paulista. Afinal, escolhi o Pará para viver. Por 34 anos, mais da metade da minha vida. Belém foi a experiência dos últimos 13.
Nasci em São Paulo e para lá vou voltar porque acho que é uma coisa atávica: voltar para onde o umbigo está enterrado. Pode até ser que depois de estar lá, deescubra que meu umbigo é volátil..rsrsrs...e vá morar em Pirenópolis. E deixar Belém com a sensação que tenho sobre a cidade hoje é muito, muito ruim.
Abração.
Não magoou, não, Bia. Podes ficar tranquila. E se algum leitor se sentir assim, é uma coisa que pertence a ele, não a ti, que não tiveste intenção de ofender.
Relaxa em relação a isto, já que não dá para relaxar em relação às tantas angústias que a cidade nos tem causado.
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