O Portal G1 publicou uma relação dos
concursos públicos que oferecem as funções mais bem remuneradas do país. Basta uma olhada rápida
— e a lembrança dos índices de desemprego e das distorções sociais no Brasil
— para entender dois fatos:
- a industrialização dos cursinhos preparatórios para concursos e as incontáveis publicações do tipo motivacional-macetal;
- a expansão explosiva dos cursos de Direito no país.
Você já se inscreveu?
.
8 comentários:
Eh...eh...eh...
Como diria meu filhos: "Você está me tirando???"
Mas, em respeito ao seu blog, não responderei o que respondo a ele.(eh...eh...eh...)
Então dei sorte!
Caro Yudice,
como sei que és muito lido pelos estudantes (e professores, dentre os quais me incluo), achei que seria interessante , a respeito desse post, passar pra você o anexo texto de um Desembargador aposentado sobre as perspectivas do "Aluno C" e o preciso comentário crítico da Professora Deisy Ventura. O debate deve prosseguir na lista da ABEDI.
Desculpe-me pela extensão do texto deste comentário. Se for o caso, mando para o seu endereço eletrônico (qual é? o meu: klautau@uol.com.br )
um abraço,
Paulo Klautau
Yúdice,
Continuo a enviar o texto a que me referi no comentário anterior.
abs,
Paulo Klautau
O TEXTO DO DESEMBARGADOR FEDERAL APOSENTADO:
SEGUNDA LEITURA
Quais as chances do estudante de Direito Classe C?
POR VLADIMIR PASSOS DE FREITAS
O Brasil assiste a Classe C ter acesso a bens de consumo (p. ex., automóveis) e lazer (p. ex. cruzeiros marítimos). E o fenômeno alcança também o ensino superior, o que é excelente. Segundo Stanisci, Oliveira e Saldaña, “dos 5,9 milhões de estudantes de graduação no país, 31,4% têm renda familiar entre 1 e 5 salários mínimos. O número quase dobrou desde 2002, quando o porcentual era de 16,2%. Isso tem ocorrido graças a iniciativas oficiais, como políticas de cotas e o Programa Universidade para Todos (ProUni), mas também por causa de universidades que apostam nesse público, cobrando mensalidades baixas – que podem chegar a R$ 180” (Estado, A, Classe C com diploma, 24.11.2009).
Nos cursos de Direito não é diferente. Em passado recente eram poucos, localizados nas capitais e nas cidades médias. E os seus estudantes pertenciam, regra geral, às classes A e B. Recentemente espalharam-se por todo o território nacional, em mais de 1.000 faculdades de Direito isoladas ou em universidades. O foco desta coluna é o acesso da classe C aos cursos de graduação em Direito.
Em tempos de mão de obra excessiva e salários reduzidos, estudar Direito passou a ser uma boa saída para o sucesso profissional. Afinal, as perspectivas são sempre mais animadoras do que as de outros profissionais. O bacharel em Direito poderá advogar, fazer um concurso de nível intermediário ou superior (e são muitos), escolher a área de atuação que mais lhe agrada (p. ex., defender ONGs), trabalhar em cartórios extrajudiciais (p. ex., tabelionatos) e até exercer uma advocacia administrativa especializada (p. ex., infrações de trânsito).
Poucas profissões oferecem tantas oportunidades. Um profissional de Educação Física só poderá ser professor ou atuar em um clube ou academia de ginástica. Um biólogo terá poucas vagas à disposição em um concurso público. Um médico tem que se sujeitar a vários empregos para poder receber um bom salário. Um engenheiro depende diretamente da situação econômica do país, tendo boas chances em épocas de aquecimento econômico, mas lutando com dificuldades em períodos de crises.
Mas quais as chances do estudante de Direito Classe C?
O estudante Classe C poderá, excepcionalmente, estar em uma universidade pública ou mesmo em uma particular de tradição. Mas, normalmente, ele será encontrado nas universidades de bairros, onde o acesso é mais fácil e as mensalidades menores. Boa parte deles é constituída de pessoas maduras e que vêem no diploma uma possibilidade de ascensão social.
O Classe C entra em desvantagem na competição. É inegável. A começar pela dificuldade de pagar as mensalidades. Além disto, tem que trabalhar e isto dificulta nos estágios, mora longe e perde tempo na condução, geralmente não frequentou as melhores escolas, não tem as relações sociais dos colegas das classes A e B, falta-lhe dinheiro para comprar livros ou participar de cursos ou congressos.
Mas isto não deve servir-lhe de desânimo. Ao contrário, deve ser convertido em um bom motivo para ir à luta. E para isto, desde o dia da matrícula, deve evitar a postura do “coitadinho de mim”. Primeiro, porque não ajuda nada. Segundo, porque não é uma verdade absoluta. Vejamos.
O Classe C tem uma vantagem a seu favor, a gana, a vontade de vencer. Criado com dificuldades, valoriza o fato de ter chegado à faculdade. É prestigiado na família. Seus colegas mais abastados, nem sempre são fortes. Afinal, cresceram tendo acesso a tudo, internet, passeios à Disney, roupas caras. Por isso não costumam valorizar as coisas. Supõem ingenuamente que a vida lhes será fácil, que o pai lhes conseguirá um emprego. Desacostumados com limites ou dificuldades, no primeiro conflito abandonam a luta. Declaram-se deprimidos.
Agora, sim. A continuação do famigerado artigo e a crítica da Deisy. Desculpe-me a extensão.
Paulo Klautau
Os pais do Classe C não puderam estudar e, por isso, não tem como transmitir cultura. Esta é uma desvantagem, sem dúvida. Mas pode ser suprida com muita leitura. Bons livros de literatura, editoriais de bons jornais e revistas são imprescindíveis. E para quem não pode gastar, as bibliotecas oferecem tudo gratuitamente. Pequenos cursos (p. ex., de redação) ajudam bastante.
Na educação formal (não escolar), o Classe C não está em desvantagem. Ela pode até ter sido melhor do que nas classes A e B. E se não foi, cabe ao Classe C ficar atento, observar muito e corrigir suas falhas. Falta de educação pode liquidar uma carreira. Por exemplo, a informalidade exagerada com o dono do escritório de advocacia (que não deve ser tratado de você), falar alto, dar gargalhadas em locais mais tradicionais ou ir para o estágio com camisa do time de futebol.
Na busca dos estágios (quando possível), o Classe C terá, por falta de relacionamentos (networking), dificuldades de acesso aos grandes escritórios. Mas boa parte deles, atualmente, reserva um percentual de vagas a estudantes necessitados, dentro de uma política de responsabilidade social. Já junto aos órgãos públicos estará em pé de igualdade, pois a seleção costuma ser feita através de testes.
Nos concursos públicos, o Classe C lança todas as suas fichas. Ser oficial de Justiça, conquistar uma vaga na Polícia ou trabalhar em um Tribunal é um sonho que merece o sacrifício de muitas baladas e viagens. Mas para os Classes A e B o apelo é menor. Por terem acesso a tudo e por não imaginarem que seus pais morrerão um dia e o dinheiro pode acabar, muitas vezes não se dedicam com todas as forças. O Classe C não se importa em mudar de cidade ou de estado. Os Classe A e B são exigentes e assim vêem o tempo passar sem colocar-se profissionalmente.
Resumindo, ser Classe C não é obstáculo intransponível para a vitória. O segredo é fazer das dificuldades a alavanca para a busca do sucesso. E o momento é favorável. Boa sorte.
VLADIMIR PASSOS DE FREITAS desembargador Federal aposentado do TRF 4ª Região, onde foi presidente, e professor doutor de Direito Ambiental da PUC-PR.
Revista Consultor Jurídico, 7 de fevereiro de 2010
O COMENTÁRIO DA PROFESSORA DEISY:
Deisy Ventura escreveu:
"Caros
Diante da abundância de preconceitos e do arrivismo barato que verte deste artigo, é difícil identificar um foco para resposta. No entanto, para não deixar passar desapercebido tamanho risco, escolho e ressalto três aspectos.
Primeiro, não podemos deixar que se afirme e difunda em nosso meio esta pecha de "estudante classe C". A mera repetição desta expressão já serve para consolidar o estigma. As escolas devem ser avaliadas, algumas delas inclusive fechadas, mas jamais se pode etiquetar os alunos.
Segundo, embora não seja a regra, sabemos que há alunos privilegiados em instituições "baratas" (em todos os sentidos) e há alunos economicamente hipossuficientes em universidades públicas consideradas excelentes. Antes mesmo de discutir o que é excelente, também é preciso dizer que há alunos de, segundo o autor, "classes A e B" que são dedicados, críticos, engajados, que lutam contra suas próprias contradições, e - eureka! - muitos deles optam por dedicar sua vida a subverter esta ordem que gera a etiquetagem A, B e C.
Agora o pior, terceiro e último foco: é inaceitável conceber como horizonte de ambição do aluno da escola "barata" ser inspetor de polícia, assessor de tribunal ou oficial de Justiça. Porque seria imenso o risco de que um dia ele se tornasse Desembargador, viajasse para a Disney, comprasse roupas caras e escrevesse um artigo como esse."
Paulo, que polêmica excelente tu me trouxeste! Será um prazer dar a ela o destaque devido. Abraços.
Você, Yúdice, que já deve ter pelo menos seus 10 anos de experiência profissional, acha que o salário desse povo é justo?
E o seu salário, acha que é justo?
Alexandre
Honestamente, Alexandre? Acho que o salário deles é justo, sim. O salário médio do brasileiro é que é baixo demais. E isso inflama nas pessoas um sentimento de indignação, que até se compreende, mas que não se justifica completamente.
Em países onde a concentração de renda é menor, as pessoas não se sentem do mesmo modo. Mesmo nos Estados Unidos, que para mim não são um modelo, boa parte dos trabalhadores mora em casas decentes, possuem o seu carrinho, estudam em boas escolas públicas (universidade é outra história) e têm um acesso razoável a serviços de saúde. A distorção é menor. Por isso, a preocupação maior é aumentar o próprio salário, não reduzir o alheio.
O meu salário não tem nada de especial. Mas sei que é bem melhor do que o do brasileiro médio. Pertenço, contudo, ao segmento que, de tanto pagar imposto e contratar serviços particulares, que não poderia alcançar na rede pública, vivo no limite do orçamento, exatamente como qualquer um da tal nova classe média brasileira.
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