quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Tropa de elite 2

Demorei quatro dias para rascunhar estas linhas sobre Tropa de elite 2 porque sentia a necessidade de refletir melhor sobre o filme e suas provocações. Acima de tudo, face a minha condição de professor de Direito Penal, preciso lidar com temas como criminalização secundária, segurança pública, violência policial, sistema penitenciário, ressocialização, política criminal e tantos outros que podem ser objeto de reflexão a partir do filme.
Como educador, cumpro uma função que, antes de simplesmente contribuir para a formação técnica dos acadêmicos, pode influenciar o caráter dos mesmos e por isso faço minhas escolhas — dogmáticas, políticas, éticas, filosóficas —, que me conduzem a abraçar referenciais humanitários, hoje chamados (com uma boa dose de desprezo pelos desinformados) de garantistas, devido à teoria de Luigi Ferrajoli, mas que podemos encarar, simplesmente, como a aplicação do Direito Penal com base nos fundamentos, princípios e regras dispostos na Constituição de 1988.
Não à toa, tive que rir quando, logo na abertura do filme, a narração em off feita pelo (agora) Coronel Nascimento apresenta o personagem Fraga, ativista dos direitos humanos, como "intelectualzinho de esquerda filho da puta". Antes mesmo de a projeção começar, já sorrira ante a advertência de que a obra, apesar de "coincidências com a realidade", era de ficção. Maliciosa prudência dos realizadores, que parecem ter construído o roteiro com base nas pautas jornalísticas dos últimos anos, já que você reconhece nele fatos e personagens reais, escândalos e imoralidades bem vivas em nossas mentes.
Com efeito, lá está Fortunato (André Mattos), apresentador do programa policial que é um verdadeiro lixo, servindo apenas para que um personagem travestido de dono da verdade e última reserva moral do mundo bosteje a visão da classe média sobre a sociedade, o crime e os papeis do Estado. Vagabundo esse que se vale da popularidade, alcançada por discursos-clichê e atitudes ridículas (os passos largos e a dancinha), junto às massas não-pensantes, para fazer carreira política e, eventualmente, enriquecer às custas do crime que jura combater.
Lá está também a corrupção entranhada em todos os níveis do poder público, desde o policialzinho mal remunerado e violento, que extorque a mesada dos bandidos com a maior naturalidade, até os altos escalões do governo e, se preciso, o próprio governador.
Os dois Tropa de elite são vivamente amados por uns e tão odiados quanto, por outros. Somente por isso já se pode reconhecer o seu sucesso. É curioso como ele recebe críticas ferozes de forças sociais que se digladiam na vida real, a demonstrar que, ao contrário do que possa parecer, ele não vende uma ideologia necessariamente de direita ou de esquerda. Mesmo assim, é usualmente rotulado como fascista, pela mensagem que supostamente tenta transmitir.
Honestamente, não estou convencido de que a equipe de Padilha tenha a intenção de passar mensagem alguma. É provável que eles apenas queiram induzir um debate, sem nos impor suas opiniões pessoais. Querem ver o circo pegar fogo e colher os louros artísticos e financeiros disso, sem a pretensão de, tal qual o mala sem alça do Caetano Veloso, irrogar-se uma condição de corregedor geral do Brasil.
Nascimento comanda a desastrada operação na penitenciária,
que vai "mudar a história do Rio de Janeiro"
O principal porta-voz da equipe, o agora Tenente-Coronel Nascimento, é mesmo um fascista? Eu o encaro como um pit bull: sempre pronto a destroçar quem for preciso, mas no fundo a culpa é do sujeito que criou o cachorro, aproveitando-se de suas inclinações ao ataque.
Obviamente, não teria a leviandade de minimizar os seus atos, que pratica por livre escolha. Mas ele foi criado por um sistema, que agora é seu inimigo mas que, pelo visto, não tem como ser derrotado.
Acredito que Tropa de elite preste um serviço ao Brasil. Num nível menor, por nos colocar ombro a ombro com os filmes de ação estrangeiros no quesito qualidade técnica. Num maior, por levar todo mundo a discutir questões essenciais para a nossa sobrevivência como sociedade, inclusive a sempre acomodada classe média, que reclama das mazelas sociais de frente para a TV de 42 polegadas, no ar refrigerado e, no máximo, faz uma passeata contra a violência aqui, outra ali, e volta para o condomínio.
As críticas que li sobre o filme, até aqui, tratam mais sobre os aspectos propriamente cinematográficos da obra. Continuo esperando as análises de mérito, de todos os tipos. O meu alento é ver a sociedade provocada, agitada, emitindo opiniões. Talvez assim, quem sabe, consigamos subir um pouquinho o nível do debate.

8 comentários:

Ana Miranda disse...

Fui à última sessão, do último dia em que Tropa de Elite I foi exibida.
A continuação ainda não vi e acho que não a verei no cinema. Não estou com vontade.
No filme I, chorei do início ao fim, ainda bem que fui com o filme já saindo de cartaz e haviam pouquíssimas pessoas no cinema.
Saí com a cara inchada.

Luiz Carlos Pina disse...

Caro Yudice, sem dúvida alguma, Tropa de Elite 2 é um sucesso de bilheterias. Falo isso porque queria assistir ao filme e foi difícil concretizar esse desejo, pois sempre as bilheterias estavam com ingressos esgotados.
A discussão levantada no filme também me desperta interesse, em razão de minha atuação profisssional estar relacionada com o direito penal.
Realmente, o filme me provocou algumas inquietações que até agora, passada quase uma semana, ainda não consegui superá-las. Por isso aguarde mais algum tempo que tão logo irei contribuir com o debate sobre o tema.

Um Grande abraço.

Luiz Carlos Pina.

Anônimo disse...

O post todo é muito bom. Mas legal mesmo é saber que eu n sou a única pessoa a achar o Caetano um mala com sorrizinho 'chinfrin'...rsrs.
Em relação ao comentário "a sempre acomodada classe média, que reclama das mazelas sociais de frente para a TV de 42 polegadas, no ar refrigerado e, no máximo, faz uma passeata contra a violência aqui, outra ali, e volta para o condomínio" - Acredito que essa é a maior msg do filme: fazer com que entendamos que n somos apenas vítimas, mas tb vilões nesse problema.
É inegável que eu (me atrevo a dizer nós) n passamos de "revolucionários de sofá".

Anônimo disse...

Vi o filme apenas hoje. Devo escrever a respeito nos próximos dias. Uma análise de mérito, como você disse. Ainda estou sob o forte impacto da obra. E também estou muito satisfeito com o fato de que ela incomode e tire o público da comodidade dos clichês, seja de direita, seja de esquerda. Isso já é por si só valiosíssimo. Abraço!

Yúdice Andrade disse...

Talvez o 2 não te faça chorar, Ana. O enfoque é diferente. Vale a pena acompanhar a "mitologia" que está sendo desenvolvida pelo Padilha.

As impressões de um jovem criminalista serão muito úteis para esse debate, Pina. Que elas venham!

E o pior, das 14h29, é que ainda nos atrevemos a criticar e menosprezar os que têm perfil verdadeiramente revolucionário.

Logicamente, André, aguardo ansioso pela tua resenha.

Ana Manuela disse...

É triste ver um filme como Tropa de Elite 2 e saber que o que se passa ali, não está nem um pouco longe da realidade.

Só isso já é motivo pra chorar...

Anônimo disse...

Uma parte que me marcou bastante foi na hora que o Coronel Nascimento pergunta de quem é a culpa de tudo aquilo e aparece a imagem de Brasília.
Realmente o tropa 2 foi bem mais reflexivo do que o 1 que faz mais uma idolatria ao BOPE.
Achei esse com uma mensagem bem melhor.

Adrian Silva disse...

Não sei se ainda cabem mais algumas palavras neste debate, mas disponibilizo, para os interessados, algumas palavras sobre o filme em meu blog:

http://discursoracional.blogspot.com/2010/11/tropa-de-elite-2-agora-e-minha-vez.html

Abraços.