quarta-feira, 30 de junho de 2010

Dominus litis

O advogado criminal fica extremamente aliviado quando, após a instrução processual, o Ministério Público conclui pela inocência do réu ou, ao menos, pela insuficiência de provas de sua culpabilidade, terminando por pedir a absolvição do mesmo. A consequência esperada dessa atitude deveria ser a efetiva absolvição do réu, mas nem sempre é assim. Às vezes, mesmo quando o dominus litis abdica da punição, o juiz condena, em um veredito bastante controverso.
Advogados, obviamente, sustentam que a manifestação ministerial deveria vincular o Judiciário. Os juízes, por sua vez, aferrados ao seu poder decisório e a sua condição de última palavra sobre tudo, provavelmente pensam que adotar essa tese lhes seria um amesquinhamento.
Pessoalmente, sempre concordei com a primeira posição. Posicionamento que foi acolhido pela 5ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, em julgamento realizado em 13.10.2009 que ensejou um acórdão lapidar (veja o link ao final da matéria):

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - PRONÚNCIA - ABSOLVIÇÃO DOS REUS DECRETADA - PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO APRESENTADO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO EM ALEGAÇÕES FINAIS - VINCULAÇÃO DO JULGADOR - SISTEMA ACUSATÓRIO.
I - Deve ser decretada a absolvição quando, em alegações finais do Ministério Público, houver pedido nesse sentido, pois, neste caso, haveria ausência de pretensão acusatória a ser eventualmente acolhida pelo julgador.
II - O sistema acusatório sustenta-se no princípio dialético que rege um processo de sujeitos cujas funções são absolutamente distintas, a de julgamento, de acusação e a de defesa. O juiz, terceiro imparcial, é inerte diante da atuação acusatória, bem como se afasta da gestão das provas, que está cargo das partes. O desenvolvimento da jurisdição depende da atuação do acusador, que a invoca, e só se realiza validade diante da atuação do defensor.
III - Afirma-se que, se o juiz condena mesmo diante do pedido de absolvição elaborado pelo Ministério Público em alegações finais está, seguramente, atuando sem necessária provocação, portanto, confundindo-se com a figura do acusador, e ainda, decidindo sem o cumprimento do contraditório.
IV - A vinculação do julgador ao pedido de absolvição feito em alegações finais pelo Ministério Público é decorrência do sistema acusatório, preservando a separação entre as funções, enquanto que a possibilidade de condenação mesmo diante do espaço vazio deixado pelo acusador, caracteriza o julgador inquisidor, cujo convencimento não está limitado pelo contraditório, ao contrário, é decididamente parcial ao ponto de substituir o órgão acusador, fazendo subsistir uma pretensão abandonada pelo Ministério Público."


Merece elogios a decisão mineira, cujos precisos fundamentos dão pouco espaço a comentários meus. Mas é certo que sedimentar essa tese ainda demandará tempo e uma necessária e salutar mudança de concepção sobre o papel do Judiciário, tanto como aplicador do Direito quanto, principalmente, como poderoso instrumento de intervenção social.

2 comentários:

Ana Miranda disse...

Às vezes Yúdice, dá vontade que o suspeito seja logo preso e dane-se o resto, mas com certeza, o ditado deve prevalecer sempre: "Todo mundo é inocente até que se prove o contrário".
Nem sempre o que vemos é o que parece ser.
Você já assistiu ao filme "Beleza Americana"?
Aquela cena em que aquele pai general olha pela janela de sua casa à casa do vizinho vê o filho?
É incrível como ele vê uma coisa, mas acontece outra completamente diferente lá dentro.
Talvez você esteja pensando "nada a ver esse comentário", mas lembrei-me dessa cena porque acho que sempre temos que ter certeza antes de julgarmos qualquer coisa. Seja no âmbito jurídico, pessoal, profissional, emocional ou pessoal.

Anônimo disse...

Eu não sei por que mas sempre vejo decisões maravilhosas em MG, queria que fosse assim aqui também, mas uma pessoa que não conhece muito não pode também falar muito... :x