A reportagem da BandNews já estava sendo exibida quando entrei. O tema era a nova lei sobre remição da pena pelo estudo, sobre a qual reproduzi uma reportagem do Consultor Jurídico, em julho. Fiquei escutando enquanto pintava um desenho para Júlia (redescobri o prazer de pintar com giz de cera).
A certa altura, mencionou-se que, antes, o apenado que cometesse falta grave perderia todos os dias remidos. Pela nova lei, a perda incide apenas sobre um terço dos dias remidos pelo estudo. Seguiu-se a manifestação de um promotor de justiça, confortavelmente instalado em sua sala refrigerada, fazendo uma "análise" impressionante. Ele começou reconhecendo o grave problema da superpopulação carcerária brasileira e disse que a solução para ela seria construir mais presídios. Nesse momento, meus sensores ligaram o alarme; parei o giz sobre o papel. A sequência: como o governo não investe na construção de novas penitenciárias, o legislador prefere tomar medidas paliativas (a expressão foi exatamente essa), como a lei em questão.
Não me contive e gritei um "puta que pariu!!!"
Perdão, leitores, não pretendo baixar o nível da postagem. É que eu fiquei desarvorado com a manifestação. Como não estava olhando a TV, não tive como ver o nome do sujeito, nem sei em qual lugar do país ele trabalha. Deve ser São Paulo, porque a grande imprensa só consulta "especialistas" de São Paulo. Mas não posso admitir que um representante de instituição que exerce uma das funções mais importantes e diretas nesse campo, e que supostamente estudou para passar num concurso público, seja capaz de um reducionismo tão estúpido e fora da realidade como esse. Daí o tabuísmo.
Somente por apontar a construção de presídios como solução para a superpopulação carcerária nos faz retroceder muitos anos. Mas ao classificar uma lei que foi discutida em nível técnico, antes de ser aprovada, como uma espécie de mero escapismo, além de ignorar que o legislador brasileiro raramente faz coisa que preste em matéria penal, o sujeito dá a entender que vive num mundo à parte.
Infelizmente, esse mundo não é particular. É um mundo em que o Ministério Público, enquanto instituição, continua a agir como mero acusador e aplica o Direito Penal como medida higienizadora, sem se preocupar com qualquer outro viés que não seja o punitur quia pecatum.
É a Idade Média da execução penal. Sou capaz de citar rapidamente alguns ex-alunos que mereciam um bem remunerado cargo de promotor de justiça muito mais do que esse grande especialista!
5 comentários:
Não assisti a reportagem, não conheço a discussão que foi feita em "nível técnico" sobre a lei aventada, mas do pouco que conheço sobre às "reais condições" do sistema penitenciário brasileiro, o detento que consegue cumprir, ao menos parte da pena, sem que seja levado pelo enxurro do comportamento animalesco resultante do tipo de relação interpessoal que se desenrola nesse contexto, já teria feito por merecer muito mais que a garantia de "direitos adquiridos" com a realização de atividade tão salutar como o estudo, tal indivíduo mereceria, inclusive, algum tipo de suporte inicial externo (pós-pena), que ajudasse a garanti que tal indivíduo teria mais que à volta ao mundo da criminalidade como opção de vida!
Realmente inacreditável... Pelo o que eu entendi, o bem "esclarecido" promotor tentou justificar um erro com outro erro, o que é um absurdo. Mas, infelizmente,como o senhor falou, é a realidade de um Estado que prefere agir punindo, utilizando-se do Dto penal como primeiro recurso, do que prevenindo, o que, certamente, é mais difícil, porém, indiscutivelmente, mais eficaz.
Que isso mestre falaste um palavrão na frente da julia
Yúdice, eu assisti também. E tive a mesma reação que você. Infelizmente, meu caro, é a tirania do discurso oficial reducionista e da retórica fácil. maior ainda se torna nosso desafio. Vamos em frete.
É exatamente o que penso, AlterEgo: o apenado já venceu todas as adversidades que facilmente o arrastariam para mais fundo, que seria mais fácil para atender a necessidades imediatas. Ele resistiu, teve caráter, acreditou num futuro que já é difícil mesmo para quem está aqui fora. Algo assim nunca pode ser menosprezado.
Juliana, ele defendeu uma concepção é tão arcaica quanto falsa e nociva. E sendo um agente do Ministério Público, esse tipo de raciocínio, nele, se torna concretamente pernicioso para a sociedade.
Não, das 14h22. Júlia estava na casa da avó nessa ocasião. Eu disse apenas que pintava um desenho para ela, não com ela.
Graças a Deus, Ana, existem pessoas como você no MP. E quando o mundo gira, até a turma da lei e ordem acaba reconhecendo isso, não é mesmo?
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