quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Tratados como gado

Posso dizer que conheço bem o Hospital Porto Dias. Durante aproximadamente dois anos, fiz-lhe inúmeras visitas, acompanhando meu irmão, que sofria com problemas diversos relacionados à obesidade. Em março de 2006, foi submetido, naquele estabelecimento, a uma cirurgia bariátrica e passou os cinco dias seguintes na UTI (deveria ser um só), um período bem difícil para nossa família. No mesmo ano, ele sofreu uma segunda cirurgia, motivada por pedras na vesícula. Depois disso, houve uma série de consultas e exames, até porque ele nunca ficou 100% bem após o delicado procedimento de redução do estômago.
Também estive naquele hospital para consultas na emergência e exames, sendo eu mesmo o paciente ou acompanhando minha mãe, minha esposa, uma tia e uma prima (esta também fez uma pequena cirurgia particular, pela qual me cobraram um dia e meio de internação, mas liberaram a paciente meia hora após o término do procedimento). De tanto passear pelas dependências do hospital, tornei-me íntimo dele e passei a chamá-lo de "SUS de granito no piso", ou seja, apesar da aparência algo sofisticada, o atendimento decepcionava, sendo frequentemente sofrível o que senti na pele, ou mais exatamente no estômago, durante uma crise de gastrite. Vá lá na recepção, entupida de gente, para começar a entender.
Ontem, tivemos mais uma demonstração da falta de compromisso do Porto Dias com o público.
Meu irmão, sempre ele, está fazendo uma nova bateria de exames. Para ontem estavam agendadas uma endoscopia e uma colonoscopia. Exames invasivos e desagradáveis, são também sacrificantes. Ele passou a véspera com recomendação de comer umas bolachinhas salgadas escrotas e tomar água. À noite, ingeriu um coquetel de medicamentos que provocou náuseas. Além disso, laxantes.
Deixei-o no hospital, junto com nossa mãe, antes das 8 da manhã, apesar de os exames estarem agendados para as 9h30. "Agendado", para quem não sabe, é um termo técnico da Medicina, que significa marquei uma hora mas você será atendido por ordem de chegada, seu otário. Se quiser. Se não quiser, vá à merda que eu não tô nem aí.
Falei com meu irmão às 12h20 e adivinhe? Ele ainda não fora atendido! Àquela altura, já protestara com todas as pessoas possíveis. Inclusive já formalizara uma reclamação perante a ouvidoria do hospital que, claro, não dará em nada. Um outro senhor também estava indignado. Uma senhora, diabética, sem se alimentar há várias horas, sentia a fraqueza tomando conta.
O motivo da revolta foi que pessoas chegadas mais tarde entravam para fazer o exame antes. Segundo os funcionários do hospital, eram pacientes agendados que haviam chegado atrasados. O engraçado é que em todo canto quem perde a hora, perde a hora. Não no Porto Dias, pelo visto. Sinceramente, só encontro uma explicação para o fato: os supostos atrasados são amigos de alguém e foram instruídos a chegar quando lhes conviesse, que mesmo assim seriam atendidos prontamente. Quanto à fila de espera, dane-se.
Antes das 14 horas, minha mãe cansada e faminta  telefonou dizendo que meu irmão fora liberado. Ou seja, os procedimentos em si não demoravam tanto. Era realmente preciso maltratar um ser humano durante horas?
Como sempre digo, antigamente as pessoas precisavam contratar planos de saúde, pois quem dependia do SUS estava lascado. Hoje, lascado está quem tem plano de saúde. Dignidade, só para pacientes particulares. E quem depende do SUS, morre.
Se quiser conferir, tente marcar uma consulta. Diga que seu plano é qualquer um desses famosos e supostamente excelentes. O tempo de espera pode surpreender. Desligue o telefone e faça imediatamente uma segunda chamada, pedindo uma consulta particular. Surpreenda-se de novo. Mas com a desfaçatez.

5 comentários:

Ana Miranda disse...

Ah, Yúdice, entendo beeeeeeeeeeeeeeeem o que vc está lamentando.
Trabalhei como secretária em um consultório psiquiátrico por 4 anos e meio.
Sabe por que saí???
Por não aguentar mais o descaso dos médicos com seus pacientes, e olha que são pacientes especiais, pacientes psiquiátricos.
Os médicos NUNCA chegavam no horário e os pacientes ficavam impacientes esperando.
A sala de espera ficava lotada, eu tinha que me desdobrar em simpatia para que eles não estressassem demais.
Chegou uma hora que eu não aguentei mais. Pedi demissão.
Quem estava ficando estressada era eu.

Yúdice Andrade disse...

Pelo menos tu te indignavas, Ana. Sinal de que os pacientes contavam com pelo menos uma pessoa a se interessar por eles e a tratá-los bem. É uma questão de humanidade.

Glenda Navarro disse...

Ano passado minha secretária caiu na rua quando estava a caminho de casa. Ligou pedindo ajuda pois seu braço doia muito e no desespero, fomos para o Pronto Socorro (14 de março). Chegando lá não tinha uma "viva alma" sequer para dizer que não tinha vaga. Entrei na marra! Não dei nem 10 passos adentro. O que vi me horrorizou! Macas velhas por todos os lados, gente "internada" pelo corredor. Saí no mesmo passo que entrei. Fui pro Porto Dias e quando informei que era "particular" atenderam minha secretária na mesma hora! Ela inclusive esperou o resultado do Raio-X na sala do médico. Impressionante!! Quando saí, notei que a sala de espera estava lotada. Ou seja, era o povo do plano de saúde! Saí de lá pensando em fazer um plano de saúde para que ela não passasse mais por esses sustos, mas quer saber? É melhor ser "particular" mesmo! Pelo menos a gente paga e é atendido na hora.

Yúdice Andrade disse...

GNS, preferir, creio que todos preferimos. Infelizmente, apenas uma minoria pode fazer isso. A tua secretária teve sorte de te preocupares tanto assim com ela, mas isso é uma exceção. Além do mais, tratou-se de um episódio eventual. E se fosse uma doença prolongada? Ou um acontecimento realmente grave?
Meu amigo, numa situação dessas, não tem dinheiro que chegue. Aí o plano de saúde passa a ser o único meio de obter tratamento.

Franssinete Florenzano disse...

Yúdice, compartilho tua justa indignação. O Hospital Porto Dias é exatamente como descrito.
Meu irmão fez uma cirurgia de vesícula ali e teve que ficar horas "mofando" na tal sala de espera superlotada, acompanhado de minha mãe.
Isso no dia em que estava agendada a operação, com toda a papelada providenciada, ele em jejum desde as 18 h da véspera. O natural era que chegasse lá, se apresentasse e fosse direto aos procedimentos no centro-cirúrgico. Mas não. O abatedouro estava lotado. Tinha que esperar as outras "reses" que estavam na fila. Um horror.
Vou postar na ribalta (saudades do Juca!) do meu blog para repercutir tua denúncia.
Grande abraço e saúde para teu irmão.