segunda-feira, 1 de março de 2010

A cegueira humana

Quando soube que Ensaio sobre a cegueira (Blindness, dir. Fernando Meirelles, 2008) entrara em fase de pré-produção, fiquei exultante. Afinal, tratava-se da adaptação cinematográfica de uma das mais importantes obras do meu escritor favorito, José Saramago um homem sabidamente turrão, que encrenca com tudo e que, não à toa, nunca antes autorizara adaptações de suas obras. Justo ele que exigia a publicação de seus livros, no Brasil, com a redação original portuguesa.
A par disso, o filme trazia ainda, na direção, o brasileiro Fernando Meirelles, àquela altura já reconhecido internacionalmente por Cidade de Deus e, em sua carreira internacional, pelo cativante O jardineiro fiel. Pesava, portanto, um certo bairrismo.
Minha empolgação me levou a acompanhar o diário de produção do filme, tendo colocado o link na lista de endereços deste blog. Fiz a contagem regressiva para a estreia e, quando aconteceu, simplesmente não fui ao cinema. Pois é, não vi o filme. Uma série de razões provocou isso. O fato é que mais de um ano se passou e eu não vira o filme. Isto, porém, acabou ontem.
Confesso que não fiquei impactado como imaginei que ficaria. O livro, mesmo sem a facilidade das imagens para cumprir essa função, mexeu muito mais comigo (abaixo, o link para o meu comentário sobre o romance). Talvez justamente por isso o filme tenha sido mais suave. Meirelles foi, assim pensando, extremamente competente. Fugiu do lugar-comum da violência desmedida, da podridão e demais recursos capazes de causar náuseas. Mitigou desde as fezes espalhadas pelo chão até à truculenta sequência de estupros que revirou meu estômago nas páginas do livro, mas que sumiu em meio a sombras, na tela. Felizmente. Ninguém suportaria ver às claras o que acontecia ali.
A adaptação é bastante fiel, o que considero positivo. A reflexão que Saramago nos quer induzir pode ser feita, vendo a versão de Meirelles. Mas o original nos leva a pensar com muito mais intensidade na prontidão com que o ser humano se volta para o mal, para a violência, para o abuso. Uma reflexão a ser feita no recôndito do quarto, todos os dias, a fim de que esse mal nunca saia de lá.

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2 comentários:

Ana Miranda disse...

Aqui em casa, fã incondicional do Saramago é meu filho.
Não li "Ensaio Sobre a Cegueira", mas vi o filme. Achei-o impactante. Gostei muito.
Agora quanto ao filme "O Jardineiro Fiel", vi-o umas cinco vezes e ele figura entre os meus filmes favoritos. A-do-ro.
Esses dias revi o filme "As Bruxas de Salém" e achei-o infinitamente melhor que a primeira vez que o vi. Vai entender o porquê...
Ah, está chovendo canivetes aqui em Juiz de Fora.

Yúdice Andrade disse...

Adoro "As bruxas de Salém" e cito esse filme em minhas aulas, para fazer referência aos tempos em que, para acusar alguém, bastava apontar o dedo e pertencer a uma classe social que lhe conferisse credibilidade. Não havia os mecanismos de garantias individuais hoje existentes e que foram criados não para proteger bandidos, mas para evitar as distorções que viste na tela - que, naquela época, eram a regra.