terça-feira, 29 de junho de 2010

Ministro Vinícius

Lula sanciona lei que promove Vinicius de Moraes
Por Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy
O presidente Lula sancionou a Lei 12.265, de 16 de junho de 2010, que promoveu post mortem o diplomata Vinicius de Moraes a Ministro de Primeira Classe da Carreira de Diplomata. Assegura-se aos atuais dependentes de Vinicius os benefícios de pensão correspondentes ao cargo para o qual se fez a promoção.
Vinicius entrou para a carreira diplomática após disputadíssimo concurso, em 1943. Em 1946, serviu em Los Angeles, seu primeiro posto. Vinicius foi exonerado do Itamaraty em 1969. Atingido pelo Ato Institucional 5, conta-se que, no dia da notícia — Vinicius estava em Portugal —, salazaristas portugueses tentaram atingi-lo com bravatas. Vinicius enfrentou os agitadores. O confronto lhe rendeu aclamações de jovens liberais e de sensíveis e apaixonados estudantes, que ofereceram as becas para que o poeta sobre elas caminhasse. Passaram-se quatro décadas para que se fizesse a necessária correção histórica.
Há notícias de que, em 1979, o presidente Lula teria convidado Vinicius para a leitura de poemas no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo. Fato ou versão, não importa, 40 anos depois, anfitrião e convidado se reencontram de modo inesperado.
O convidado que leu os poemas no sindicato já não mais está entre nós. Morreu em 9 de julho de 1980, de edema pulmonar, no Rio de Janeiro. Legou-nos uma obra poética inigualável. É o poeta da paixão. Cantou os perigos desta vida, para quem tem paixão principalmente. O anfitrião do episódio do sindicato venceu preconceitos, afirmou-se, elegeu-se presidente da República, é celebridade internacional. Aquiesceu com a justa homenagem e com a necessária reparação, comprovando que humanismo e altivez de espírito não são adereços que adornam apenas diplomados e formalmente letrados.
Vinicius de Moraes substancializou a carreira diplomática naquilo que a nobre atividade tem de mais marcante: a sensibilidade. A dissociação entre diplomata e poeta é mero acidente de interpretação, típico de quem apenas encontra na burocracia a disposição para a afeição ao carimbo, à forma, à mesmice. Não que a inusitada aproximação entre ofício e arte transforme o homenageado no campeão das causas diplomáticas. Menos. É que o entorno burocrático também acena com enigmas da existência, que também compõem um conjunto de anseios e de receios, que afugentam e norteiam habilidades e aptidões.
E Vinícius também simboliza o diplomata na inteligência, na multiplicação de interesses culturais, no gosto pela generalidade, no rigor com a verticalidade naquilo que se faz, no amor e no apego para com a existência. Construiu asas. Não se conformou com raízes. Diplomata, poeta, compositor, jornalista, crítico de arte, estudioso da cultura, Vinícius era um polímato. A sua produção intelectual é um patrimônio nacional. A sua sensibilidade, incomensurável, um referencial universal. A integridade para com as causas que defendia, entre elas a mais altaneira de todas, o amor, é o símbolo de uma existência concomitantemente irrequieta e tranquila, se é que esta aproximação seja possível.
Espremido por uma época que antagonizou duas únicas vias para a construção da sociedade, Vinicius não titubeou e não se comprometeu. Acima das lutas cá da terra, viveu a inconstância do amor, comprovando que a existência tomada de um modo metafísico e inquestionável apenas torna o homem mais um dos descontentes da civilização, em seu sentido freudiano. A luz dos olhos de Vinicius recorrentemente precisava se casar. E se casaria tantas vezes quanto necessário fosse, na blague atribuída a uma resposta que Vinicius dera a Tom Jobim.
Vinicius de Moraes anunciou no Soneto da Fidelidade uma nova concepção de tempo, conformando-nos com a mortalidade, mas tornando a existência infinita, enquanto durasse o viver, que é longo, se bem vivido, ainda que o seja por um instante finito. Vinicius invertia e subvertia o andar das horas: poetou que de manhã escurecia, de tarde anoitecia e de noite ardia...
A vida é boa, inegavelmente. Vinicius bendizia o amor das coisas simples. Poeta em estado natural, na lembrança de Drummond, Vinicius inquietava-se com o mistério da morte, que sublimava na paixão da vida. Católico na origem (fez a primeira comunhão em 1923), Vinicius aproximou o sentido soteriológico de todas as religiões na comunhão absoluta no amor pela vida. Seu catecismo era a perseguição do sublime. Seu mantra, a realização absoluta dos desejos nos quais se fundamenta a existência, desprezando-se um mero sentido utilitarista, típico de um pragmatismo que certamente desprezava.
A lei sancionada pelo presidente Lula provoca em todos nós a lembrança de um excerto de Vinicius para quem, depois de tantas retaliações, tanto perigo, eis que ressurgiria no outro o velho amigo, nunca perdido, sempre reencontrado. Comprova-se, definitivamente, que depois de idas e vindas, triunfam o ardor, a persistência e a paixão de todos quantos enfrentamos e vivemos intensamente os perigos desta vida.

2 comentários:

Ana Miranda disse...

Caríssimo Yúdice, na minha casa o Vinicius (sem acento)é idolatrado!!!
Todos nós, com mais paixão ainda, minha filha, somo fãs dele. Temos seus livros, seus cds e o dvd do filme do Miguel Faria Jr. "Quem Pagará O Enterro E As Flores Se Eu Me Morrer De Amores?"
Concordo com tudo que você disse sobre tão importante artista e ser humano.
O Vinicius era uma pessoa sem preconceitos, sem ganância.
Acho que ele merece todos os títulos do mundo, agora, não concordo que tenhamos que pagar, para seus descendentes, pensão.
Até quando??? Para sempre???
Ah, assim não dá. E olha que eu A-DO-RO o Vinicius, mas isso já é demais, né não???

Yúdice Andrade disse...

É meu poeta favorito e gosto da descrição "poeta da paixão". Visitei a casa onde ele viveu, em Petrópolis, e foi emocionante estar num lugar por onde ele andou.
Mas devo obtemperar que não produzi o texto em questão; apenas o reproduzi.
No mais, há regras determinadas em lei para esse tipo de regalia, por isso não fiz juízos de valor. Assim, de cara, não vi nenhum problema na medida.