quinta-feira, 22 de julho de 2010

Estatuto da Igualdade Racial

Como tenho acessado a Internet de modo incipiente, não sei quanta repercussão foi dada ao fato. Não deve ter sido muita, tanto que somente agora tomei conhecimento da Lei n. 12.288, de 20.7.2010, que institui o Estatuto da Igualdade Racial e que entrará em vigor em outubro.
A despeito da abrangência que o termo "igualdade racial" possui, bastam alguns instantes para perceber que a nova lei tem endereço certo e se destina, acima de tudo, a criar mecanismos de proteção e resgate histórico aos negros brasileiros. Para tanto, além de estabelecer conceitos como "discriminação racial", "desigualdade racial" e "população negra", prevê uma série de mecanismos, relacionados aos âmbitos do Direito Administrativo, Trabalhista, Civil (p. ex. direitos das populações quilombolas) e, obviamente, Penal neste caso, somando novas incriminações às que já constam da Lei n. 7.716, de 1989, que define os crimes de racismo.
Como de praxe nas diversas leis tutelares que este país possui (Estatuto da Criança e do Adolescente, Código de Defesa do Consumidor, Estatuto do Idoso e Lei Maria da Penha, dentre outras), o novel diploma traz uma vastidão de direitos (à saúde, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, à liberdade de crença e culto religioso, acesso à terra e à moradia, etc.), o que serve para desvelar o paradoxo da sociedade brasileira, afinal tais direitos já são previstos na Constituição de 1988 para todos os brasileiros e estrangeiros residentes no país (consoante redação do art. 5º, aqui tomada genericamente, porque nem todos os direitos supramencionados comparecem no aludido dispositivo).
Assim, se precisamos de novas leis para prometer as mesmíssimas coisas às crianças e adolescentes, aos consumidores, aos idosos, às mulheres e, agora, aos negros, é porque tacitamente o Estado reconhece o seu fracasso em promover as ações necessárias para tanto. Podemos esperar alguma melhora apenas porque as tais ações afirmativas agora possuem um conceito legal? Pelo menos, a lei manda que, no prazo de cinco anos, os órgãos federais incumbidos de ações afirmativas passem a discriminar, em seus orçamentos, as verbas destinadas a elas. Vale lembrar que uma coisa é o orçamentário, outra é o financeiro...
Outra característica típica das leis brasileiras é burocratizar aos extremos. A lei sob comento institui um Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial, a fim de assegurar que haja uma plêiade de órgãos para cuidar das atribuições específicas, gerando mais cargos DAS, mais títulos administrativos, mais cartões corporativos e tudo quanto faz a festa da boa gente que contrata com o governo. Não faço nenhuma crítica ao SINAPIR em si, que ainda está em vias de criação, mas sim ao modelo caro e ineficiente que se insiste em repetir, mesmo com os exemplos diários dos diversos outros sistemas que funcionam porcamente. A lei menciona a criação de conselhos de promoção da igualdade racial nos níveis municipal, estadual ou federal. Ou seja, mais conselhos...
Enfim, não quero estragar a festa da imensa população negra brasileira, que tem o que comemorar. No mínimo, ganhou um instrumento enérgico para combater o crônico problema de invisibilidade institucional em nosso país. Deixemos que o tempo mostre o que funciona e o que não. Nesse meio tempo, fico com uma curiosidade acerca das previsões expressas no sentido de resguardar as práticas religiosas dos negros. Ou seja, o poder público será obrigado a olhar com outros olhos os cultos afrobrasileiros, ainda hoje bastante discriminados por uma sociedade preconceituosa e por um Estado laico que insiste em ser acima de tudo católico.
Tenho a impressão que é nesse campo que teremos as primeiras notícias sobre o que mudou com o Estatuto da Igualdade Racial.

Um comentário:

Ana Miranda disse...

Leio isso tudo, sem entender muito, pois para mim não existe diferença racial, então por que igualdade racial?
É muito triste isso ter que virar lei para que PESSOAS possam usufruir do que é seu por direito...
Lindo foi ler um texto do Veríssimo (filho) onde ele disse que, quando foi preencher a ficha de um hotel que pergunatva a "raça", ele disse que não titubeou, escreveu logo:
HUMANA.