segunda-feira, 25 de maio de 2009

Para que punir?

Há décadas se discute sobre a redução do Direito Penal, embora sem muito sucesso. Penso que qualquer debate sério sobre a reforma da legislação penal brasileira exige que enfrentemos a questão de abolir diversos crimes não apenas aqueles já superados pela consciência social (caso do adultério e do rapto, abolidos em 2005), ou os tipos insignificantes, assim percebidos pela exiguidade das penas cominadas: falo de condutas sobre as quais a imposição de uma pena criminal se revela uma violência injustificável, pela possibilidade de atuação eficiente de outras instâncias sociais, pela reparação do dano ou pelo reforço do princípio da lesividade, afastando-se delitos fundados em duvidosos valores morais.
Um dos aspectos mais relevantes nessa discussão diz respeito aos delitos patrimoniais não violentos. Há vários anos a jurisprudência fixou o entendimento de que o pagamento de cheque sem fundos suprimiria a justa causa para a ação penal. Surgia então a pergunta: por que a reparação do dano só fazia diferença no estelionato e em apenas uma de suas modalidades? Por que não estender o raciocínio a todos os delitos patrimoniais não violentos? A lógica, contudo, era ostensivamente rejeitada pelos tribunais, que insistiam no cabimento do benefício apenas para o estelionato através de cheque, a meu ver tratando uma construção pretoriana como se fosse regra legal. E tratando tolamente.
Mas eis que o Superior Tribunal de Justiça, ao apreciar no último dia 14 o Habeas Corpus 85.524, após quase dois anos de sua impetração, sinalizou uma mudança de mentalidade. Veja a notícia:

A 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça concedeu Habeas Corpus a um contador acusado de estelionato. O contador se arrependeu de ter falsificado a autenticação bancária que comprova o pagamento do Documento de Arrecadação de Receitas Federais (Darf) e pagou o débito antes de que fosse recebida denúncia contra ele.
“No caso, o valor do débito foi pago antes do recebimento da denúncia. Embora a acusação se amolde, em tese, à descrição contida no artigo 171 do Código Penal, não se justifica, todavia, dar continuidade à ação, pois, além de afastado o dolo, não subsiste a denominada tipicidade material”, explicou o ministro Arnaldo Esteves Lima.
Em agosto de 2004, o contador recebeu da empresa em que trabalhava um cheque no valor de pouco mais de R$ 3 mil para quitar uma guia do Darf. Ao invés de efetuar o pagamento do imposto, o contador depositou a quantia na própria conta-corrente e falsificou a autenticação mecânica. Arrependido, o contador acabou quitando a dívida fiscal da empresa antes do recebimento da denúncia.
Ao receber a denúncia, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro não acolheu os argumentos da defesa para que fosse trancada a ação penal. De acordo com o TJ-RJ, “o fato de o contador ter quitado o débito fiscal antes do recebimento da denúncia não extingue a punibilidade, pois não se trata de emissão de cheque sem fundos ou sonegação fiscal, e sim de estelionato mediante falsificação de documento”.
Os advogados recorreram ao STJ com um pedido de Habeas Corpus. Eles alegaram ausência de justa causa para o prosseguimento da ação penal em razão do ressarcimento do prejuízo efetuado pelo cliente antes da formalização do processo.


O acórdão ainda não está disponível e não se sabe se haverá recurso para o STF. Mas é um sinal muito interessante, sem dúvida. Afinal, pergunte a uma pessoa que sofreu p. ex. um furto um furto, não um roubo! o que ela prefere: uma pena criminal para o ladrão ou ter a reparação integral do dano?

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