segunda-feira, 4 de maio de 2009

Reforma penal por minha conta e risco — Parte II: o limite de 30 anos

Como não desenvolvo nenhum trabalho sistemático de revisão do Código Penal, as postagens surgirão de acordo com o que estiver na ordem do dia. No caso desta primeira sugestão, ponho em pauta uma reflexão de ontem à noite.
O art. 75 do Código Penal contém uma das normas mais incompreendidas e detestadas. Eis sua redação (apenas o caput):

"O tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não pode ser superior a 30 (trinta) anos."

É por causa desse dispositivo que um condenado não pode cumprir pena por período superior a 30 anos, salvo a hipótese de condenação superveniente. A razão de ser dessa norma é respeitar o princípio que veda penas perpétuas. Além disso, impende considerar que, declaradamente, uma das funções da pena é ressocializar o infrator e não apenas eliminá-lo. Dessa forma, a pena só cumpre o seu papel se o infrator, após o término de sua pena, puder retornar ao convívio social ainda produtivo, ainda forte, e ainda assim não voltar a delinquir. Se ele voltasse decrépito, não se poderia saber se não cometer novos crimes é questão de escolha ou simplesmente incapacidade física.
Trata-se de uma norma importante, que não pode ser abolida. Contudo, é possível discutir o limite imposto, porque ele foi pensado de acordo com a expectativa de vida do povo brasileiro na década de 1930, quando o CP foi elaborado. Naturalmente, essa expectativa aumentou nas últimas décadas (estava em 71,3 anos em 2003, segundo o IBGE). Por isso, é plausível aumentar o limite, sem que se percam as finalidades antes enunciadas.
Minha ideia é aumentar o limite para 40 anos que, ao contrário do que os críticos vazios pensam, não é pouco tempo, não. E o motivo dessa proposta é muito claro: permitir a ampliação das penas cominadas aos delitos mais graves. Quem supuser que eu pretendo instituir um Código Penal light está enganado, como se verá ao longo destas postagens. O endurecimento das penas de diversos delitos é necessário, do mesmo modo que a flexibilização de certas regras e a abolição de diversos tipos penais.
Mas isso fica para outra postagem.

2 comentários:

Jean Pablo disse...

Olá Primo,

Permita-me discordar de sua posição. Sinto-me a vontade neste blog para discutir tais questões.

Estás propondo o aumento da pena limite de 30 para 40 anos baseado num critério único objetivo, a expectativa de vida. Creio eu que para se fazer um estudo acerca deste assunto devemos trazer outros elementos.
Proponho aqui um levantamento sobre a relativização do tempo. Sabemos que 30 anos em 1941 não são 30 anos em 2009. Os tempos são outros, a velocidade de informação aumentou absurdamente. É só tentar imaginar 30 anos atrás como era a sociedade e hoje em dia e tentar imaginar como será daqui a 30 anos. O crescimento é exponencial e 30 anos hoje representam uma defasagem na vida do apenado muito maior do que 30 anos na década de 40.
Há uma alteração na realidade social enorme em poucos anos, o que dirá de 30 anos. Certamente a moeda nacional terá mudada, boa parte das leis também... Ou seja, em que mundo estará o condenado quando de fato deixar o estabelecimento carcerário?
Trago à baila tal discussão, por pensar que 30 anos é, para mim, um tempo altíssimo para uma condenação. Creio que aumentar o tempo não seria a solução. Talvez diminuí-las e investir de fato em políticas públicas de prevenção e controle, e ainda na real ressocialização dos condenados.

Um grande abraço!!!

Yúdice Andrade disse...

É para ficares a vontade, mesmo, Jean. Debatemos ideias, por isso devo dizer o seguinte:
1. Minha posição é clara quanto a ser, no geral, contrário ao tão decantado endurecimento das leis penais. Contudo, hoje, consigo vislumbrar alguns aspectos que me parecem defensáveis, inclusive em termos de aumento de penas. Convenhamos: a lei deve cumprir uma função de motivação aos membros da sociedade. Se estes entendem, maciçamente, que certas penas estão brandas, a sensação de desajuste pode piorar ainda mais a capacidade da lei de servir de contramotivação ao crime. Por isso, devemos ao menos nos perguntar se o aumento não teria consequências positivas.
2. Com efeito, minha opinião se reduziu a um único argumento - o da duração da vida humana - e, ao contrário do que possa parecer, tenho plena consciência de que 30 anos são um tempo enorme, sim. Negar isso é uma sandice. Aliás, dada a relatividade do tempo, um único ano pode ser um tempo muito longo, a depender do que nos acontece nesse período.
3. Pelo que entendi de tua análise, queres dizer que, com o ritmo cada vez mais frenético em que vivemos, perder 30 anos (ou o tempo que for) na prisão representará, ao condenado, perder muito mais do que ele teria perdido com idêntica condenação, uma década atrás ou mais. É um raciocínio plausível e merecedor de maior atenção.
Em conclusão, penso que a discussão deveria ser feita nestes termos: Qual o critério para se definir em nossos dias o aumento ou redução das penas criminais? A duração existencial do ser humano ou as condições materiais de vida, numa análise concreta do que se perde enquanto no cumprimento de uma pena?
Seria muito bom que pudéssemos nos demorar nesta questão. Obrigado por me levar a ela.