A Lei n. 11.935, de 11 de maio último, alterou a redação do art. 35-C da Lei n. 9.656, de 1998, que "Dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde". A nova redação é a seguinte:
Art. 35-C. É obrigatória a cobertura do atendimento nos casos:
I - de emergência, como tal definidos os que implicarem risco imediato de vida ou de lesões irreparáveis para o paciente, caracterizado em declaração do médico assistente;
II - de urgência, assim entendidos os resultantes de acidentes pessoais ou de complicações no processo gestacional;
III - de planejamento familiar.
Tudo muito bom, tudo muito bem, a iniciativa é boa. Contudo, temo que ela possa ser burlada com facilidade. Explico.
Ao ler o texto da lei, veio-me à memória o triste caso de um ex-aluno, pessoa que tenho em grande conta, cujo filho, um bebê de 45 dias, teve negado atendimento pela UNIMED, sob a alegação de que a carência ainda não fora cumprida. Diga-se de passagem, uma carência de 30 dias, sendo que o bebê tinha mais do que isso e a segunda mensalidade já estava paga. Abstraindo maiores detalhes do caso, o bebê faleceu, o que motivou seus pais a processar aquela cooperativa, feito que tramita no foro de Belém.
Motivo da relação: o bebê teve o atendimento negado ainda na recepção, não chegando a ser examinado por médico algum. Aí está o problema (ou o busílis, como diriam os antigos): a situação de emergência só está caracterizada mediante "declaração do médico assistente". Assim, basta que o médico não ponha os olhos no paciente e, formalmente, não se tem provas do fato gerador do direito ao atendimento. "Não podemos confirmar que era uma emergência." Alegações tecnicistas sempre úteis depois que a bomba estoura. Ou uma vida humana se perde.
Sabemos que os médicos recebem inúmeras ordens das operadoras de plano de saúde, que acatam porque são trabalhadores necessitados de seus honorários profissionais. Corre-se o risco, portanto, de que as operadoras mandem os médicos não atenderem, nos casos em que existam dúvidas sobre o direito a esse atendimento. Ou seja, uma lei feita para auxiliar o consumidor pode prejudicá-lo, na medida em que fique sem, sequer, um exame superficial que possa levá-lo a procurar socorro em outro lugar.
Penso que seja uma preocupação plausível a minha.
Um comentário:
Caríssimo Yudice,
lamento minha ausência do blog. Discutir seus posts contribuem para o exercício da argumentação.
Bem, a respeito desse comentário, sobre a alteração da lei dos planos de saúde, creio que um juiz decente, que realmente se importe e conheça a matéria, não terá dificuldades em encontrar uma solução ao caso.
Você sabe muito bem que essa lei, no caso concreto, não será analisada isoladamente, mas sim em conjunto com o CDC. Pois bem. Este dispõe, expressamente, que a interpretação é sempre mais favorável ao consumidor, haja dúvida ou não (diferentemente do CC/2002, que somente autoriza a exegese benéfica ao aderente em caso de dúvida). Ora, o mais elementar bom senso – e uma incipiente jurisprudência – afirma que tal interpretação favorável se dará tanto em matéria de direito quanto em matéria de fato.
Ademais, pela inversão do ônus da prova, postulado também inserto na lei consumerista, seria ônus do plano comprovar que o paciente não se enquadrava nos casos de urgência e/ou emergência. Afinal, quando, em sua defesa, alegassem tal dado – inexistência de urgência e/ou emergência – estariam, em última análise, trazendo aos autos fato extintivo do direito do autor – paciente – chamando para si o ônus de prová-lo.
Outrossim, o simples fato de uma recepcionista – funcionária do plano, que responde por todos os atos praticados por sua preposta – impedir o contato entre paciente e médico implica em impossibilidade de se verificar o real estado do paciente, talvez até deliberada e propositadamente, precisamente para burlar a lei. Tendo em vista que ninguém pode aproveitar-se de sua própria torpeza, não há como isso vir em benefício do plano.
Esperando ter contribuído ao debate,
Marcelo Dantas.
Postar um comentário