segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Escolhas que todos fazemos

O jornalista e professor Herbert Marcus, titular do blog Terra e Poesia, também deixou uma valiosa contribuição sobre a postagem "Efeitos práticos da liberdade religiosa", pelo que igualmente vem à ribalta:

Pelas razões expostas, em particular no comentário do André Coelho, penso que o fato de um cidadão se recusar a fazer um concurso público em um determinado momento já o desqualifica para o exercício de uma função pública.
Um exemplo das implicações práticas disso: algum tempo atrás uma amiga que exercia um cargo de chefia em um um órgão de comunicação pública me pediu conselho quanto a uma repórter que se recusara a cobrir a Festa de Iemanjá, por ser evangélica. Aconselhei a amiga a advertir formalmente a repórter, para se precaver de futuras negativas. Não deu outra, a repórter, com base em sua "consciência religiosa", recusou-se a cobrir também o Círio de Nazaré.
Imaginemos agora se fosse uma médica, um agente público, recusando-se a prestar plantões em dias de cultos religiosos seus ou de outra religião. O que deve prevalecer - o interesse individual do agente público ou o coletivo?
Alguns diriam que é possível conciliá-los. Sem entrar no mérito da ética das duas profissões citadas, eu estou convicto que dentro do espaço republicano e laico, não.
Nele, o que deve prevalecer é o interesse coletivo, com base no pacto republicano que propõe: olha gente, nós estamos aqui para prestarmos serviços públicos, atendendo o interesse coletivo, independente de questões paroquiais, tua, minha ou dele.
A religião, como alguns já argumentaram, é uma questão de opção pessoal, e deve ficar restrita a isso, garantindo-se as liberdades de expressão e manifestação.
Para alguns pode parecer paradoxal, mas é justamente a laicidade do Estado uma das garantias dessas liberdades, porque não se impõe ou se exige, como nos estados teocráticos, a "profissão de fé" a esta ou aquela religião.
Senão corremos o risco, dentre outros, de tranformarmos o Estado em uma Torre de Babel (mais do que ele já é), lugar de adoração a tantas quantas divindades criadas pelos homens.


Caro Herbert, o seu primeiro parágrafo me causou uma certa inquietude. Entendi que se uma pessoa se recusa a fazer um concurso, deve-se entender que ela não está apta ao exercício de uma função pública, qualquer uma. Mas não creio que tenha sido sua intenção afirmar isso, porque implicaria em dizer que todos teríamos a obrigação de escolher alguma função pública para exercer, o que não seria nada razoável, além de ser inexequível.
Afora isso, concordo com suas ponderações, mas vou justamente ao ponto que você suscitou, tratando dos médicos. O Código de Ética Médica prevê a escusa de consciência, que permite a um profissional não atender a certo paciente, sem a necessidade de declinar os motivos, com a única ressalva de que o paciente não pode correr risco de morte em decorrência do não atendimento. Ou seja, o cara pode estar sofrendo com dores, p. ex. , num leito de hospital e o profissional pode, recusando-se a atendê-lo por motivo supostamente relevante, prolongar o seu sofrimento. E isso não é infração ético-profissional. Por que deveria, então, ser violação aos deveres inerentes à função pública exercida?
Pergunto isso consciente do fato de que a norma deixa a porta aberta para motivações imorais. O médico pode se recusar a atender um negro, um homossexual, um idoso? Claro que pode. É só ninguém saber o motivo e tudo bem (para ele). Isto é péssimo para quem precisa do serviço médico? Obviamente que sim, mas faz parte de um sistema que precisa, também, da autonomia do profissional médico.
Pense bem antes de jogar pedras em que age dessa forma. Você, se médico fosse, atenderia um assassino, salvo de um linchamento pela polícia? Há muitos que se recusam, mas nesse caso todo mundo acha normal. Afinal, é um bandido, né? Certa vez, coloquei numa prova uma questão em que um médico judeu se recusava a atender um skinhead. Uma aluna, judia, respondeu a questão corretamente, mas depois, no corredor, veio me dizer o que ela realmente pensava emocional e não juridicamente.
Enfim, não é uma questão simples. E todos podemos elaborar uma ótima desculpa para um ato imoral. Isso nos desqualifica para a Medicina ou para o serviço público? Provavelmente. Mas as pessoas são assim. Como lidar com isso?

Um comentário:

Ana Miranda disse...

Como disse sabiamente Karl Marx:
"A religião é ópio do povo".