Em mais uma de suas oportuníssimas manifestações, o confrade André Coelho reagiu à postagem "Efeitos práticos da liberdade religiosa" desta forma:
O Serviço Público não é uma seleção para vagas de emprego, é uma convocatória aos cidadãos para que cumpram, em troca de remuneração adequada, seu dever cívico de contribuir com o interesse público. Ser funcionário público é como votar em eleições e servir nos batalhões: um direito que deriva da própria condição de cidadão e é uma extensão de seu exercício. Por isso, acho que o argumento da "opção" não se aplica, porque estamos falando de um direito subjetivo de natureza pública e de uma dimensão de cidadania.
Eu trepliquei nos seguintes termos:
Entendo a tua premissa, André, mas ela me deixa com uma firme impressão de que também estás fazendo o papel de advogado do diabo, sem o declarar. Afinal, quem é que encara o serviço público como "dever cívico de contribuir com o interesse público", como descrito em tua observação? Talvez seja ruim dizê-lo, mas nunca conheci pessoas com esse perfil. Sobretudo agora, em que metade do universo virou concurseiro, o pragmatismo e o foco na estabilidade financeira são o que move os indivíduos. Por isso, mesmo que a tua observação esteja correta, ela não deveria ser revista, à luz da conjuntura atual?
É mais comum ver discursos românticos entre interessados em concursos à magistratura, quando escutamos aqueles papos sobre fazer justiça e ajudar a construir um mundo melhor. Quando escuto isso de um aluno ou de um recém formado, sorrio intimamente, feliz de pensar que ainda há pessoas boas no mundo. Mas tomo como ingenuidade. Quando escuto de outro tipo de pessoa, sei que é mentira.
Lamento se minhas palavras soam fatalistas (e até grosseiras — quanto a isto, não é minha intenção). Mas que acho que estás advogando o demo, neste caso, lá isso acho!
Acrescento, ainda, o seguinte: mesmo que admitamos o serviço público como um dever cívico, ele não é imposto a todos indistintamente, o que, segundo entendo, ratifica a validade do meu argumento original. Soa-me romântico dizer que, ao se submeter a um concurso, o agente pleiteia uma oportunidade de contribuir com a sociedade, mediante uma remuneração, em vez de visar uma remuneração, mediante o ônus de exercer tarefas que interessam à sociedade, embora pudessem ser tarefas que interessassem apenas a um empregador privado.
André tem algo a redarguir?
Mais alguém?
Um comentário:
Tenho - mesmo séculos depois - alguma coisa a redarguir. Parece-me estranho o argumento de que algo que é um direito deva deixar de ser considerado como tal apenas porque a maioria (na tua suposição: a totalidade) dos que desfruta dele não o encara assim. O Estado não é uma empresa contratante como outra qualquer, mais uma oportunidade de empregos e salários. Ele é a forma institucionalizada de nossa própria existência enquanto comunidade política. Contribuir para o bom funcionamento do Estado é um direito e um dever do cidadão, simplesmente como extensão do seu direito e dever de exercer a própria cidadania. Se se subtrai dele a oportunidade de um concurso, não é apenas uma chance de emprego que se lhe tira, e sim o exercício do direito de contribuir para o bem público como funcionário do Estado. Pouco importa que ele próprio não o encare dessa forma, porque o direito não é o mesmo que a ação (garantir um direito é garantir uma possibilidade de ação), um direito não impõe exigências de natureza motivacional (garantir um direito não é garanti-lo apenas para os que queiram exercê-lo com essa ou aquela intenção) e mais: O Estado mesmo declarar que trata suas vagas de concurso como simples possibilidades de emprego entre outras, com mero significado técnico e econômico e nenhum significado cívico, seria uma declaração da falência política do Estado enquanto instituição voltado para o bem público. Dizer que essa é uma posição romântica é como dizer que candidatar-se a vereador, que ser mesário numa sessão eleitoral e que participar do júri também não são direitos cívicos, apenas porque, no caso do primeiro, a maioria se candidata apenas pelo dinheiro e pelo tráfico de influências e, no caso dos dois últimos, as pessoas costumam vê-los mais como ônus lamentáveis que como oportunidades benvindas de exercício de sua cidadania. Mas, se as pessoas os encaram assim, é problema da falta de consciência cívica dessas pessoas, não é mesmo? Isso justificaria deixar de considerá-los como direitos?
Postar um comentário