sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Dalva esteve em Belém

Há duas coisas de que não gosto na minissérie Dalva e Herivelto Uma canção de amor, que a TV Globo exibe até hoje. Uma é a edição; a outra, Herivelto Martins.
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A edição me incomoda porque, sendo muitos os fatos a contar, já que a trama envolve anos da vida dos personagens, a história acabou picotada. Ficamos sem um referencial decente de tempo. Entre uma cena e outra, meses ou até anos podem se ter passado. Maior exemplo disso talvez seja a surpresa que temos ao saber que Herivelto, ainda oficialmente morando com Dalva, já está há três anos com Lurdes Torelly.
A edição prejudica sobretudo os números musicais, que acabam reduzidos a uns poucos segundos. Os artistas entram em cena, cantam uns quatro versos e a apresentação acaba. Fica, no mínimo, esquisito. Por fim, torna-se um pouco difícil identificar quem são os tantos personagens que desfilam em torno dos protagonistas, muito embora alguns deles sejam bastante famosos.

Quanto a Herivelto, o caráter que lhe é oferecido explica meu sentimento. Reconheço que ele é nada além do que um homem de sua época, acostumado a ver, nas mulheres, apenas objetos de submissão sexual, familiar ou profissional. E as próprias mulheres sempre tiveram grande culpa nisso, ao reproduzir o discurso de que a mulher deve tudo suportar de um marido safado, em nome da família (enquanto instituição) e dos filhos (quando seria melhor dizer da prevenção dos mexericos da vizinhança).
Mas o fato de o comportamento ser comum não significa que seja menos reprovável, daí que Herivelto me parece detestável. Por isso, agradou-me muito ver que, após a separação, Dalva fez uma bela carreira e teve muito apoio, enquanto ele sofreu inúmeros reveses.
Afora isso, a minissérie é ótima, com atuações convincentes, dublagens perdoáveis (como exigir que Adriana Esteves reproduzisse, de longe que fosse, o timbre de Dalva?) e, para variar, uma caprichada reconstituição de época.

Por sinal, esta postagem se destinava a tratar de apenas um aspecto, ligado à ambientação dos fatos. No capítulo 3, necessitados de dinheiro após o fechamento dos cassinos, notadamente o da Urca, Dalva sugere a Herivelto que façam uma turnê pelo Brasil, destacando que Belém do Pará é uma boa praça. E lá vêm os dois para o nosso Theatro da Paz.
A produção da série não veio gravar em Belém, por isso acredito que as cenas foram feitas em algum espaço parecido com a nossa mais famosa sala de espetáculos, ou mesmo num cenário, e provavelmente por meio de recursos eletrônicos as cenas foram finalizadas de modo bastante realista. Veja, no primeiro quadro, por trás de Dalva e do homem que lhe entrega flores, o adorno dourado da parede do teatro. No segundo, uma visão ampla da sala, que não foi a única a imitar os grandes teatros europeus. No alto, porém, o belíssimo lustre que conhecemos tão bem. As cenas não mostram a famosa panada com a pintura amazônica. Mas tudo bem, já que ela é erguida antes dos espetáculos.

No quadro final, uma cena do local onde os artistas se hospedaram (um hotel? uma residência? Não aparece ninguém para servi-los). A arquitetura do prédio, que só aparece em ângulo fechado, podendo ser apenas um cenário, remete-nos imediatamente ao estilo que fez sucesso em nossa cidade, do qual restam tão poucos remanescentes, boa parte deles em Icoaraci (e em péssimas condições). Com o detalhe de que, nessa cena, Dalva traz à mesa do jantar um pato no tucupi preparado por ela mesma, mais um mimo para o odioso ex-marido. Adaptou-se rápido a nossa culinária, não?
Para nós, é interessante ver como Belém sempre teve e continua tendo um público fiel para a boa música. Infelizmente, há muito tempo não estamos mais, como no passado, na rota dos grandes eventos, nem somos destino dos maiores nomes das artes em geral.
Hoje à noite, o último capítulo.
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6 comentários:

Anônimo disse...

Yúdice,
infelizmente perdi o capitulo que fizeste referencia ambientado aqui na terrinha, mas acompanhei os outros e estou louca para ver o "reencontro" dos dois no leito de morte de Dalva.
Fiquei mobilizada com as brigas públicas de ambos, mas fiquei com a mesma sensação, de estar perdida no tempo e nao reconhecer alguns personagens importantes de nossa música.
De qualquer maneira, analisando esta relação conturbada pra mim ficou claro que o Herivelto sempre foi apaixonado por dalva e vice-versa e é claro várias pessoas lucraram com esta briga.
Até nós...cada música linda e letras cheias de paixão e dor.
Vou correr pela net e pesquisar mais sobre a dupla.
Anna Lins

Frederico Guerreiro disse...

Para mim também há duas coisa das quais eu não gosto na minissérie: uma é a Dalva, a outra o Herivelto.
Mas na segunda eu já prometi à minha mulher que vou tentar assistir.

Ana Miranda disse...

Eu nunca lembro de assistir à programaçõa da tv aberta...

André Costa Nunes disse...

Caríssimo Yúdice,

Não me lembro de quando não me via assim grudado na telinha.
Curti desde a espectativa dos dias que antecederam a "micro ou nano série".

Concordo com todas as tuas observações.

Dalva embalou meus sonhos de adolescente.

O herivelto foi um ícone da mpb de então, mas como com muito artista genial de hoje e do passado, foi um grande canalha. Na vida privada e políticamente. Seu guru era o David Nasser, jornalista, de quem um dia vamos ainda conversar aqui ou alhures.

andre costa nunes

Cléoson Barreto disse...

Olá Yúdice,
Acompanhei quase todos os capítulos, perdi apenas um. Acho que essa sensação de estar "perdido no tempo" é causada pela forma de apresentação da história, que uma hora mostra Dalva em seu leito de morte, outra hora volta atrás no tempo para falar do passado. Isso me deixou um pouco confuso. Concordo também que a minisséria foi muito pequena para contar tantos anos de história dos dois personagens. Gostei da minissérie, mas acho que se tivesse mais capítulos seria muito mais interessante.
Um abraço.

Yúdice Andrade disse...

Anna, não encaro um relacionamento destrutivo como o deles como "amor", mas compreendo o que queres dizer. Esse é o problema de não se virar as páginas, não se dar fechamento ao que é preciso.

Fred, continuas de uma maldade terrível, menino!

Eu só vejo telejornais, Ana. Mas vez por outra surge algum programa que realmente me interessa, como este. Valeu a pena.

Mestre André, aguardarei curioso a conversa sobre o Nasser. O tipo me pareceu odioso, mas nada diferente de uma categoria que abunda hoje em dia: a dos vermes que insuflam desgraças pessoais, para explorá-las em seus jornais e ganhar dinheiro com isso. E posam de inocentes, de santos e até de vítimas.

Cléoson, não tenho problema com narrativas não lineares. Já me acostumei a elas, de tão comuns que são. O problema é que cada parte da história era muito curta e cada intervalo, enorme. Há coisas que só compreendi porque li artigos na internet. Mas imagino quanta coisa me passou batida, porque nada li a respeito.