terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Exemplo de bobagem legislativa

O senador Valdir Raupp (PMDB-RO) pode até estar bem intencionado, mas precisa refletir melhor. Ele apresentou um projeto de lei que visa a criar o crime de pirataria em embarcações. Trata-se de uma preocupação relevante e nós, paraenses, bem sabemos da necessidade de coibir essa prática frequente e violenta. Mas temos mesmo a necessidade de uma nova lei, para chover no molhado?
O projeto do senador cria a nova figura no capítulo que trata dos crimes contra a segurança dos meios de comunicação e transporte e outros serviços públicos. O proposto art. 264-A teria a seguinte redação:

Art. 264-A. Invadir ou sequestrar embarcação com o fim de desviar o seu curso ou subtrair bens, direitos ou valores:
Pena – reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, além da pena correspondente à violência.


Tecnicamente, a proposta é mais ampla do que a legislação existente e permite penas mais elevadas, pela soma das que forem aplicáveis a cada tipo penal. Contudo, sejamos sensatos: você já soube de alguma invasão de embarcação motivada pelo interesse puro e simples de invadir ou de prejudicar a navegação? Não acontece. Tais invasões ocorrem pela intenção de roubar. Logo, a invasão em si é meio necessário para a realização do roubo. Aplica-se, aqui, o critério da consunção, segundo o qual o crime-meio deve ser absorvido pelo crime-fim. Logo, os agentes deveriam responder apenas pelo roubo (e eventualmente por quadrilha ou bando). Ainda mais porque a pena cominada ao roubo é mais elevada (4 a 10 anos de reclusão, e multa).
Como não é impossível, pode ocorrer de alguém, de fato, invadir um barco com vistas à simples perturbação da navegação. Neste caso, pode responder por crime de atentado contra a segurança de transporte marítimo ou fluvial (CP, art. 261), com pena de 2 a 5 anos de reclusão.
Em suma, a proposta do senador se insere no contexto das medidas legislativas que produzem grande estardalhaço e pouco ou nenhum efeito prático, além do inconveniente de ser mais uma reforma pontual e indesejável do Código Penal. Com a legislação já existente, é possível impor penas elevadas a assaltantes de embarcações. A nova proposta, provavelmente, teria como maior efeito prático gerar dúvidas interpretativas e um monte de recursos.
Para combater a pirataria, precisamos do óbvio: policiamento eficiente. Inflação legislativa não adianta nada. Será tão difícil entender isso?

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