sábado, 17 de abril de 2010

A crítica do promotor

Em 5 de julho de 2009, publiquei a postagem "Deixa a fumaça entrar" (dê uma olhada lá; os comentários também são interessantes), na qual fazia uma crítica aos empresários do agronegócio paraense, por protestos em relação às ações do Ministério Público Federal em defesa do meio ambiente. Incidentalmente, numa brevíssima frase, fiz um juízo de valor que provocou, passados nove meses (o que me leva a perguntar como foi que o interessado tomou conhecimento do texto), a irresignação de um promotor de justiça que não se identificou, nos seguintes termos:

Caro Yudice, com muita infelicidade li a frase "Acobertados ostensivamente pela imprensa ordinária destas bandas, os únicos vilões que aparecem ao público são membros do Ministério Público Federal (ocasionalmente, do estadual também, que é sabidamente muito menos combativo).", respeito a sua opinião, mas, por dividir quase 10 anos da minha vida entre MPF e MPE, acredito que consigo visualizar as diferentes atribuicoes estre os dois relevantes orgaos e saber que o MPE tem um campo absurdo de atuacao, com resolucao de dezenas de problemas diarios, que nao sao noticias em blogs, jornais, mas, fundamentais para quem nao sabe ler e nunca usou um computador. Tomei a liberdade de comentar pq sei que vc eh professor e a afirmacao sobre a atuacao do Ministerio Publico Estadual pode ser reproduzida como verdade por quem nao o conheca intimamente, alem do que, na qualidade de membro e por atender cerca de 15 pessoas diariamente (o que nao acontece no MPF, ja que ha pencas de assessores, estagiarios, servidores, a parte raramente ve o Procurador), tenho certeza que o Promotor de Justiça eh sim combativo, dentro da sua area de atribuicao e sem os recursos tecnologicos do equiparado federal ou vc imagina que ha operacoes com interceptacao telefonica em Gurupa, Prainha? Obrigado.
Respondo, com a atenção que ele merece.

1. Antes de mais nada, agradeço pela crítica construtiva, elegante e justa. É uma honra debater nesse nível. Por isso mesmo, lamento que você não se tenha identificado. Afinal, suas ideias são tão valorosas que não há porque ocultar-se. Penso, inclusive, que a instituição Ministério Público deveria orgulhar-se de tão um membro assim engajado, a ponto de defender-lhe a reputação em um dos incontáveis blogs que existem por aí.
Gostaria que tivesse assinado, porque conheço muitas pessoas no MP, desde que lá estagiei em 1995, na Promotoria de Defesa do Meio Ambiente. Tenho por elas grande estima e respeito, além de que amigos meus ingressaram na carreira. Assim, ainda que de fora, penso conhecer um pouco a instituição, inclusive por força de minha atuação profissional, como advogado e depois como assessor do tribunal de justiça.

2. O motivo de minha afirmação é que o MP estadual é "sabidamente muito menos combativo" que o federal. Começo dizendo que essa é a impressão que o cidadão comum possui, inclusive pela forma como as instituições são tratadas na imprensa. Longe de mim querer me esconder atrás de uma condição de leigo e, mais ainda, de crédulo na imprensa local. Deus me livre! Mas destaco este ponto para indicar uma percepção que, acredito, seja generalizada.

3. Essa impressão é corroborada pelo fato de que as grandes ações de combate às mais diversas formas de ilicitude são normalmente associadas ao MPF. Isto pode se explicar por competências e infraestrutura, sem dúvida, mas pesa na avaliação. As grandes operações que redundaram na prisão de figurões da República foram realizadas por quem? Também não são federais os órgãos que atuam mais diretamente na repressão ao trabalho escravo? Quando políticos locais têm mandatos cassados, na maior parte dos casos, não é graças a pareceres subscritos por procuradores da República e sentenças lavradas por juízes federais  como no caso de Simão Jatene, para dar apenas um exemplo? Sim, eu sei que Duciomar Costa foi cassado por um juiz da carreira estadual, mas falo de tendências.

4. Estagiei no MP na época em que a Constituição era uma criança de 6 anos. O MP estava se reorganizando e era muito menor do que hoje. Mas o MPF também, certo? Hoje, os dois órgãos estão maiores (inclusive em pessoal), mais fortes, mais equipados e capazes de agir com idoneidade em um número expressivo de demandas. Você se refere, por sinal, ao fato de que o MPF tem uma estrutura bem melhor, inclusive quanto às "pencas de assessores, estagiários, servidores". Mas acredito que, somados todos, não se chega ao pessoal disponível no MPE. Quantitativamente falando. Sim, a quantidade de locais e áreas onde o MPE atua é muito maior, mas o número de promotores de justiça não é também muito superior ao de procuradores da República? Não haveria uma paridade, nesse particular?

5. Creio que o aspecto mais veemente de sua insurgência tem a ver com a falta de recursos tecnológicos. Sabemos que o Pará é muito atrasado. Sabemos que as demandas de nosso povo são extremas em urgência e quantidade, porque aqui ainda lutamos contra a ausência de condições mínimas de subsistência, problemas que já deveriam ter sido superados há décadas. E, se assim fosse, você não precisaria atender 15 pessoas por dia. Até a criminalidade seria menor.
Por isso, estou de acordo que todos devemos cobrar do Estado os investimentos de que o MP precisa. E se a minha condição de professor e formador de opinião servir de algo nesse sentido, pode contar comigo.

Será um prazer continuar debatendo. Um abraço.

3 comentários:

Vladimir Koenig disse...

Yúdice, temo que nesse debate ambos estão com a razão. Essa é a famosa postura eclética ou mista no debate, também conhecida como tucana ou em cima do muro. Hehehehe.
Mas não sei se o MPF tem uma estrutura muito melhor não. Talvez por terem uma estrutura menor, consigam passar a imagem de maior qualidade. Mas acho que é deficitária, ainda. O MPE também tem deficiências, mas está muito bem, sim.
Quanto a visibilidade na imprensa, acho que os problemas de estrutura material e de pessoal é irrelevante. Afinal, o MPE possui um grupo (acho que se chamada GEPROC) especializado em repressão ao crime organizado. Não creio que esses promotores façam os desgastantes atendimentos ao público, tratem das comezinhas questões de direito etc. Creio que o GEPROC foi criado e suas funções especializadas exatamente para vermos resultados na área de repressão ao crime organizado, que é o que "dá notícia", prendendo ocupantes de cargos públicos.
Abraços,
Vlad.

Ana Miranda disse...

Comento apenas como pessoa preocupada com as mazelas sofridas pelo meio ambiente:
Yúdice parabéns pelo seu magnífico texto publicado em 05/07/09, quando eu ainda não era sua leitora.
Admiro sua postura. Tenho o maior prazer de estar sempre por aqui dando pitaco.
E discussões, nesse nível do promotor anônimo, são sempre bem vindas.

Artur Dias disse...

Eu tenho uma demanda no MP de Ananindeua. Violação dos Direitos do consumidor, em que a Associação de moradores municipalizou a escola (antes mantida por cooperativa de professoras em prédio da Associação) do meu filho, sem sequer pedir a opinião dos pais dos alunos. Sem desmerecer a dedicação dos promotores, eu confesso que estou decepcionado com o andamento da coisa, até porque a promotora que está com o caso, que é minha vizinha de algumas quadras de distância, e que também sabe que a Associação do nosso conjunto está com uns cabides na prefeitura, sugeriu a uma amiga em comum que eu deveria arrumar um advogado. Ora, e pra que foi que eu procurei o MP?? Dá a impressão de que o MP está evitando briga com os cachorros grandes.