Sei que a necessidade (verdadeira ou não, justa ou não) leva as pessoas a medidas desesperadas, mas tem gente abusando do direito de ser cretina. Admito que tais pessoas têm o mérito de não temer o ridículo público, mas isso nem chega a ser uma virtude.
Refiro-me aos produtores rurais paraenses — ou pelo menos a uma parte deles. Aqueles que não aceitam ser chamados de outra forma. Depois de décadas e décadas sacaneando com tudo o que podia ser sacaneado (vamos a uma pequena lista: grilagem de terras, pistolagem, exploração de trabalho escravo ou, mesmo fora disso, omissão ao reconhecimento de direitos trabalhistas, sonegação tributária, envolvimento criminoso com a política partidária regional e, claro, destruição do meio ambiente), eles agora posam de santos. Naturalmente, nem todos os produtores rurais são patifes e eu não seria leviano de sugerir uma estatística. Mas ninguém seria capaz de acreditar no discurso trabalho e renda que esses lesos tentam enfiar por nossa garganta abaixo.
Acobertados ostensivamente pela imprensa ordinária destas bandas, os únicos vilões que aparecem ao público são membros do Ministério Público Federal (ocasionalmente, do estadual também, que é sabidamente menos combativo). Agora, fico com a impressão de que alguém incendiou o pasto e que havia algum outro tipo de erva nele, além de capim. Veja-se a reportagem isenta de hoje.
A matéria, assinada — será que o rapaz aprendeu na faculdade a fazer jornalismo desse tipo? —, já abre com uma falácia majestática: "Depois de provocar um enorme abalo na imagem do Pará, dentro e fora do país..." E dá-lhe lenha no MPF!
O curioso é que a imagem do Pará já é péssima, mesmo, dentro e fora do país, há muitos e muitos anos, em boa medida devido aos problemas que listei acima. E não foi o MPF que os criou. Muito pelo contrário: a sua luta é para conter isso. Mas o chefe é amigo dos hômi e comunga de seus interesses econômicos, então essas coisas acontecem naturalmente.
A taça, mesmo, quem merece é o impagável Carlos Xavier, presidente da Federação de Agricultura e Pecuária do Pará, segundo o qual as atribuições institucionais do MPF devem ser revistas (ou seja, a instituição será engessada)! Esse delírio, claro, não tem o menor fundamento jurídico. Nada mais previsível que maus empresários por todo o país queiram acabar com a atuação do poder público sobre as suas vigarices, ainda mais considerando que o nosso Congresso Nacional é um antro deles e sempre deu amplo destaque à sórdida bancada ruralista — aquela mesma que não deixa votar a PEC permitindo a desapropriação das terras onde tenha sido encontrado trabalho escravo.
Seu Xavier, vá tomar os seus remédios. O MPF não será desmoralizado — nem com a violenta campanha difamatória encampada pela imprensa e, muito menos, com supostas reformas institucionais. Vá se informar sobre o papel do Ministério Público a partir da Constituição de 1988 para cair na real.
Essa gente perde um tempo enorme engendrando novas traquinagens, quando podia empregá-lo para se adequar à lei e ao bom senso. Mas aí os lucros seriam menores, certo?
7 comentários:
Excelente, Yúdice. Um outro dia vi no repórter 70 uma nota de um madereiro que se dizia perseguido pelo IBAMA. Acho engraçado que para esta gente qualquer tipo de autoridade incômoda é tida como autoritária ou agência de entrave "ao desenvolvimento". Vou voltar para o meu Sérgio Buarque de Holanda para ver se compreendo isso melhor.
Um grande abraço.
Prezado professor,
Já começo esta contribuição sendo racional a ponto de dizer que, logicamente, existem maus empresários em TODOS os setores, assim como maus profissionais da mesma forma. Eu mesmo e, por óbvio, desconheço a cabeça (mentalidade) de um produtor do sul do Pará, pois como já diz o jargão psicoterapeuta: "cada ser humano é um universo".
Agora, JAMAIS pode-se generalizar a disseminação do mau produtor rural (deve-se ter muito cuidado com isso). Mas acho que deixaste expresso em teu texto. Aliás, a grande maioria dos produtores rurais já vêm de um empresariado urbano consciente e idôneo.
O que se esquece é que o produtor rural não é o causador imediato do desmatamento, e sim, os extrativistas da madeira, sendo a pecuária, muito pelo contrário, é o aproveitamento desse "predadorismo".
Entrando no cerne do debate, o que reparo com tudo isso é que o grande problema do funcionalismo público (jurídico principalmente, e faço a crítica mesmo querendo ser um deles), mas percebo, por experiência, a importância inexorável de se estar a par dos dois pólos, dos dois lados da moeda, sendo esse desacordo a "bitolagem", a imaturidade e a ignorância para lidar com temas transcendentes à seara meramente jurídica.
O MP é essencial para o Estado de Direito? É lógico que sim! Mas este, as vezes, se esquece de atentar para o âmbito que extrapola a mera hermenêutica e interpretação de leis e o impacto social de suas ações. Se esquecem de estudar a realidade que não estão inseridos mas que querem alterar. Assim como reclamaste em um post antigo do Estado arbitrário (acho que era em relação aos precatórios em São Paulo), sendo aquela história: "Pimenta nos olhos dos outros é refresco!"
Acho que é fato notório a dificuldade de ser gerador de empregos neste país devido aos encargos tributários e sociais, isso o MPF não lembra. Não lembra quantos empregos custarão uma medida arbitrária e que extrapola sua competência (se bem que com a necessidade que alguns têm de mídia, nunca se sabe a real intenção de certas condutas do MP).
No caso concreto, o "Dignos" Procuradores procuram a efetivação de uma letra morta, pois não fazem idéia do espaço que é necessário para se criar um boi sequer, pois é isso que se está em discussão nessa celeuma toda. E aí, se os preços aumentarem porque simplesmente se estará restringindo espaço e consequentemente produção, a culpa será de quem? Dos Procuradores do MPF é que não vai ser!
Termino minha contribuição para este debate expressando a vontade que tenho de ser um bom funcionário público jurídico, na medida em que, estudo não apenas Direito, mas economia, administração, política e afins. E levanto a campanha pela interdisciplinaridade dos membros do Ministério Público.
Sugiro uma "espiada" sobre o assunto no eleito melhor blog jurídico do Brasil.
http://www.marcosalencar.com.br/2009/07/03/mpf-poe-em-risco-empregos-no-para/
Grande abraço!
Caro David, a "lógica", se é que se pode usar esse termo, seria mais ou menos assim: se não me deixas fazer o que quero, quando quero e do jeito que quero, então és um arbitrário violento. Há duas categorias que costumam agir assim: adolescentes e psicopatas. Podes escolher.
Mario (madrugando, hein?):
1. Antes de mais nada, agradeço a gentileza e a boa educação com que apresentas a tua discordância. Vale a pena debater com pessoas que prezam o nível e o bom senso. Aliás, já começas bem ao perceber que, de fato, não foi minha intenção generalizar a crítica aos produtores rurais.
2. Fica evidente que temos alguns pontos de divergência. Afirmas, p. ex., que o produtor rural não é o "causador imediato" do desmatamento. Pode até ser. Mas se ele é um "causador mediato", como de fato é, isso basta para que se reclame dele a tomada de medidas importantes para a preservação ambiental. Trocadilhos à parte, todas as causas são causas, certo?
3. Há que se discutir, também, que são os extrativistas que chamas de predadores. O extrativismo como modelo econômico já foi substituído há um século por outros modelos bem mais agressivos. Hoje, os extrativistas - aqueles que realmente podem ser classificados assim - respondem pela menor parte das ações ambientalmente exigentes e, até onde sei, a natureza consegue se recompor nesses casos. Naturalmente, não me refiro às atividades extrativistas que são, na verdade, indústrias de exploração ambiental.
4. Quanto ao espaço necessário para criação de gado, lembro um fato que há décadas já é bastante conhecido: isso depende do modelo criatório empregado. No Brasil, devido à abundância de terras, sempre se usou o modelo extensivo, das grandes pastagens. Na Europa, pelo fator oposto, adota-se o modelo intensivo, que exige muito menos espaço físico e a criação é otimizada graças à tecnologia, o que por sinal existe também no Brasil. Não, meu amigo, não precisamos de imensas pastagens para assegurar toda a produção de carne, leite, couro, etc. O que precisamos é de maiores investimentos no setor. Mas isso não é o que deseja o empresário brasileiro típico, que pretende enriquecer da noite para o dia, investindo quase nada e explorando o que for possível - até a mãe, se preciso.
5. Concordo que o MP - e todo o poder público, aliás - deve se preocupar com os impactos de suas ações. Mas acredito que o MPF está fazendo isso, no caso concreto. Porque trabalha olhando o presente e o futuro. É cansativo repetir que precisamos superar o discurso de que as atividades econômicas são incompatíveis com a sustentabilidade e que os fins justificam os meios.
6. Penso, ainda, que como os maus hábitos estão arraigados e são compartilhados pelo empresariado, pelos governos e pela imprensa, o jeito é tomar medidas bastante rigorosas, impactantes, que tenham também um papel pedagógico. Quando as pessoas aprendem a se comportar, podem ser menos policiadas.
7. Você será um grande "funcionário público jurídico", se Deus quiser. Um abraço.
Poisé, é tanta coisa para se estudar e ler que varamos a madrugada mesmo! rsrs :) (Acho que deves saber muito bem o que é isso)! As olheiras então... São de praxe da nossa profissão! :D
Bom, concordo primordialmente com o seu ponto "2", pois como futuro operador do Direito, cobraria de qualquer um que se use do meio ambiente, sendo imadiato ou mediato, as medidas necessárias para a sua boa preservação.
Quanto ao ponto "3" eu estava me referindo em extrativismo de uma forma "latu sensu", às atividades predatórias contemporâneas, se é que posso fazer tal analogia, pois nas altas horas da madrugada foi o único substantivo que me veio à cabeça. :)
Quanto ao ponto "4". Realmente concordo que essa exploração de modo extensivo foi objeto de tempos pretéritos. Contudo, nos dias de hoje a diferença é outra. É por isso que exijo interdisciplinaridade dos membros do MP, na medida em que torna-se complicadíssimo confinarmos o gado sem que haja toda uma cadeia econômica saudável. Na situação brasileira alimento é caro, as indústrias têm muitos encargos e por consequencia disso uma ração ou um milho processado para esse gado confinado, repito, torna a atividade quase impossível. A não ser que se faça o que os confinadores efetuam que é a produção própria de alimento para esse gado, mas aí esbarramos mais uma vez na extensividade da atividade.
Eu teria que demonstrar como um contador aqui (o que não é ainda meu forte) os números para lhe esclarecer de como a atividade tem baixa lucratividade (logicamente levando em conta todos os custos), não se esquecendo que nossa floresta é divinamente fértil e constitui-se batalha diária contê-la para qu não avance sobre as pastagens. E você está certo, ajudaria e muito investimentos no setor, mas investimentos do Governo Federal que possibilitem a efetivação dessas medidas.
Agora, exponho tudo isso em relação aos bons empresários, pois comungo sim, com você, que existem indivíduos que ainda não estão acostumados com leis e com um Estado de Direito.
Não obstante, reitero que, como disseste, acerca da necessidade dessas "medidas impactantes" tomadas pelo MPF, estas não podem ser assim impostas sem um estudo de viabilidade, se esquecem eles que o setor produtivo é mais da metade do PIB o ajuda a sustentar nossa economia e, consequentemente, também pagará seus salários.
Bom, acho que é isso, se estiver me esquecendo de alguma coisa entra com um ED! rsrsrs :)
OBS: Obrigado pelos votos!! Se Deus quiser! Grande abraço Yúdice!
Quanto aos aspectos técnicos que mencionas, Mario, não os discuto porque não os conheço. Tomo como premissa que são argumentos relevantes. No mais, parece que estamos mais de acordo do que imaginei a princípio.
Um abraço.
Caro Yudice, com muita infelicidade li a frase "Acobertados ostensivamente pela imprensa ordinária destas bandas, os únicos vilões que aparecem ao público são membros do Ministério Público Federal (ocasionalmente, do estadual também, que é sabidamente muito menos combativo).", respeito a sua opinião, mas, por dividir quase 10 anos da minha vida entre MPF e MPE, acredito que consigo visualizar as diferentes atribuicoes estre os dois relevantes orgaos e saber que o MPE tem um campo absurdo de atuacao, com resolucao de dezenas de problemas diarios, que nao sao noticias em blogs, jornais, mas, fundamentais para quem nao sabe ler e nunca usou um computador. Tomei a liberdade de comentar pq sei que vc eh professor e a afirmacao sobre a atuacao do Ministerio Publico Estadual pode ser reproduzida como verdade por quem nao o conheca intimamente, alem do que, na qualidade de membro e por atender cerca de 15 pessoas diariamente (o que nao acontece no MPF, ja que ha pencas de assessores, estagiarios, servidores, a parte raramente ve o Procurador), tenho certeza que o Promotor de Justiça eh sim combativo, dentro da sua area de atribuicao e sem os recursos tecnologicos do equiparado federal ou vc imagina que ha operacoes com interceptacao telefonica em Gurupa, Prainha? Obrigado.
Caro promotor, o seu protesto merece atenção especial. Farei uma postagem a respeito. Saudações cordiais.
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