quarta-feira, 29 de julho de 2009

Voldemort que se cuide

Foi em 2006 que o Vaticano começou a disparar contra o universo de Harry Potter.
Em sua publicação oficial, em janeiro do ano passado, o jornal L'Osservatore Romano, foram publicados artigos com críticas duras, afirmando, p. ex., , que os "valores positivos" defendidos pelo personagem seriam a bruxaria, a manipulação violenta de pessoas e coisas e o conhecimento do ocultismo (opinião de Edoardo Rialti). Houve quem suscitasse que a série inspira um "nada saudável interesse pelo satanismo", além de induzir uma visão de mundo e do ser humano cheia de "erros graves e sugestões perigosas".
Outros religiosos, menos radicais, afirmaram que um "bom católico" até poderia ler os livros e ver os filmes da série, desde que soubesse distinguir entre o bem e o mal condição, a meu ver, muito difícil de aferir.
Há apenas 16 dias, contudo, o mesmo L'Osservatore Romano publicou uma crítica altamente favorável ao atual filme da série (deu-lhe duas estrelas!), elogiando um tal de "equilíbrio correto" do que expõe sobre o bem e o mal e a forma como é apresentado o amor adolescente.
Ontem, assisti a Harry Potter e o enigma do príncipe. Eu, que até me aborreço com a mitologia potteriana (esta expressão já aumenta o valor da obra) e vejo os filmes mais por curiosidade e para acompanhar minha esposa, ela sim fanática (dá para acreditar?), reconheço que é o melhor filme da série, como todos têm dito. Mas o que me interessa dizer é que, salvo questões de linguagem cinematográfica, não vi nada de tão diferente assim nos quesitos visão de mundo e conflito entre o bem e o mal. Para mim, quem era bom continua bom; quem era mau continua mau e os objetivos são os mesmos. Quem valoriza a amizade, a ética e o respeito a vida continua do mesmo jeito. Note-se a cena em que Potter fere seu inimigo Draco Malfoy e se sente péssimo com isso. É a segunda vez que acontece. Os valores não mudaram.
Então minha pergunta é: se a obra continua basicamente com o mesmo perfil, por que foi demonizada pelo Vaticano num primeiro momento e, agora, é abençoada?
Minha opinião: o que leva o Vaticano a condenar uma obra não é o seu conteúdo em si mesmo, mas sim a sua capacidade de influenciar comportamentos, minimizando a influência da própria Igreja. É uma questão de poder. As pessoas não podem pautar-se por parâmetros mesmo que sejam profundamente solidários que não os da Igreja. Não basta ser bom: é preciso ser bom do jeito que a Igreja de Roma entende a bondade.
E por que a mudança de atitude, então? Marketing. Quem vai ser doido de brigar com Harry Potter, símbolo de uma franquia milionária, que já encheu os bolsos da autora, dos jovens atores e da turma da indústria cinematográfica, vendendo uma torrente de livros e de filmes e uma outra, muito maior, de produtos licenciados? É a máxima de não poder vencer, por isso nos juntamos ao inimigo. É mais fácil manter o rebanho reunido se eu falo a sua linguagem. Inteligente, não?
Dumbledore, com toda a sua magia e inteligência, não conseguiu vencer o Lorde das Trevas. Mas agora, com o apoio de Bento XVI, Voldemort está lascado. É pagar o ingresso para ver.

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