quarta-feira, 29 de julho de 2009

Cursos jurídicos mais longos?

Até onde sei, as pessoas têm pressa de concluir seus cursos de graduação, para ingressar no mercado de trabalho. Ampliações não seriam bem vistas. A situação seria ainda mais grave nos cursos jurídicos, hoje turbinados pela obsessão por concursos públicos. Quanto mais você demora para se formar, mais concursos você perde, especialmente considerando que boa parte das carreiras jurídicas mais importantes (entenda-se: rentáveis) está condicionada à comprovação de três anos de efetiva experiência profissional, na advocacia ou atividade privativa de bacharel em Direito.
Já pensou se, nesse meio tempo, um concurso esgota as vagas para aquela carreira que é o sonho do sujeito?
Mas o debate sobre a ampliação dos cursos jurídicos, devido às novas demandas surgidas nos últimos anos, não é nova. Abaixo, uma opinião a respeito.

Ensino jurídico requer ampliação de curso de Direito
Por Maria Odete Duque Bertasi


Nos últimos 30 anos, vimos proliferar no país uma grande quantidade de cursos jurídicos. Os resultados dessa propagação de escolas de ensino jurídico são facilmente detectáveis. Um dado inconteste: está próximo de 80% o índice de reprovados nos exames da Ordem dos Advogados do Brasil, obrigatório, por lei, para que o bacharel possa exercer o ofício.
A primeira constatação é a de que, nunca como antes, o exame da Ordem tornou-se crucial para assegurar mínima qualificação para o exercício da operação do Direito. Não fosse o exame, teríamos cerca de 4,5 milhões de advogados atuando no país e, pelo que os números sugerem, a maioria absolutamente despreparada para o exercício dessa nobre missão.
A situação tem causas profundas. Na sua origem está a crise do ensino no Brasil, constatável em todos os níveis desde o fundamental. Esta distorção impõe um alto preço: o aluno chega às portas do ensino superior sem formação adequada. E o vestibular passou a ser mera formalidade burocrática, muitas vezes cumprida para justificar interesse puramente mercantil.
Há exceções, é claro. Mas, com a multiplicação desenfreada das faculdades de Direito, esse cenário tomou proporções catastróficas. Sob o império da concorrência, muitas instituições equivocadamente optaram por sacrificar padrões mínimos de qualidade, reduzindo custos por meio da leniência na contratação de docentes e diminuição de mensalidades — uma tentativa desastrosa de atrair e manter o maior número possível de alunos.
A deletéria concepção de que o ensino de Direito é um negócio como qualquer outro atingiu o paroxismo quando se chegou ao despautério de propugnar pela redução do curso de cinco anos para quatro anos. O desatino só não prevaleceu porque encontrou a resistência da sociedade civil — acatada pelo Judiciário — que entende como legítimo direito a exigência de um ensino jurídico de qualidade, garantia para que a democracia se sustente como tal.
Felizmente, venceu o bom senso e a compreensão de que não há Estado de Direito sem que os profissionais da Justiça estejam devidamente qualificados. Mas décadas de equívocos na regulamentação e administração do ensino jurídico deixaram profundas cicatrizes que não se removem cosmeticamente. As medidas de correção terão de ser bem planejadas para obter efeitos no médio e longo prazo. Em primeiro lugar, é preciso enfrentar o desafio que é priorizar a educação nos níveis fundamental e intermediário, assegurando uma formação básica de qualidade ao estudante que pretende seguir carreiras tão essenciais para a cidadania, como é a do Direito.
Outro passo inadiável é atuar na melhoria do ensino jurídico, com medidas arrojadas e de aplicação imediata. Por exemplo, ao contrário do evidente equívoco de se reduzir as durações dos cursos, é necessário ampliar gradativamente suas extensões, de forma a contemplar o vasto universo do Direito contemporâneo.
Recentemente, o Colégio de Presidentes dos Institutos dos Advogados do Brasil aprovou moção recomendando a extensão dos cursos jurídicos. A sociedade contemporânea experimentou evolução e sofisticação inegáveis. O Direito, como não poderia deixar de ser, acompanha essa tendência, ampliando áreas que, anteriormente, tinham relevância reduzida. São os casos dos Direitos Empresarial, Ambiental e do Consumidor, dentre vários outros.
Ora, com a duração atual dos cursos e suas grades curriculares, as faculdades de ensino jurídico mal conseguem contemplar de forma satisfatória disciplinas tradicionais, como o Direito Civil, reconhecidamente básicas e fundamentais para todas as demais áreas do conhecimento jurídico e, como consequência, da prática eficaz deste saber por parte de advogados, magistrados e representantes do Ministério Público.
A questão da melhoria de qualidade e atualização do ensino do Direito no Brasil apresenta facetas múltiplas, como a necessidade do aprimoramento dos professores, e complexas, que devem ser examinadas em fóruns qualificados, com a participação ativa de todos os interessados — advogados, juízes, promotores, instituições de ensino, docentes, estudantes, entidades públicas e representantes da sociedade civil. Afinal, exigir ensino jurídico de qualidade é um direito de toda a sociedade brasileira em sua trajetória rumo à democracia.

2 comentários:

Antonio Graim Neto disse...

A crise da educação brasileira, que nos assola cotidianamente,é fruto de uma crise muito anterior a ela que é, na verdade, primordio para toda vida em sociedade, que é a crise de valores. Precisamos nos perguntar que valores estamos cultivando e qual a consequencia que tem tais valores...é preciso refletir.

Yúdice Andrade disse...

Salve, Antônio!
Com efeito, há essa crise de valores. Mas mesmo com ela podemos pensar em cursos mais eficientes. Por incrível que pareça, até mesmo sob uma perspectiva economicista é possível engendrar um curso de melhor qualidade. O problema é quando o foco está tão direta e absolutamente ligado ao lucro máximo e rápido que nada mais é visto.
Um abraço.