quinta-feira, 16 de julho de 2009

Uma estranha fraude

Pesquei na imprensa, hoje, a notícia de que dois garotos, um de 19 e outro de 17 anos, foram detidos ("apreendido" é o termo correto quanto ao menor) por policiais militares na tarde de ontem, na Cidade Velha, portando saquinhos plásticos com um pó branco em seu interior. Foram conduzidos à Seccional Urbana do Comércio, de onde saiu a requisição de exame toxicológico. A perícia confirmou: não se tratava de entorpecente.
A polícia afirma que os dois jovens pretendiam vender trigo como se fosse cocaína. É como sempre digo: para o mal não falta criatividade.
O inusitado acontecimento ganha uma interessante conotação à luz do Direito Penal. Se adotássemos a responsabilidade penal baseada estritamente no elemento subjetivo, diríamos que os dois cometeram crime. Afinal, tiveram dolo de traficar entorpecente. Para o plano dar certo, seria necessário que eles tivessem sucesso no mundo das drogas, abordando ou admitindo viciados e negociando com eles, como qualquer traficante de verdade.
Felizmente, a civilização consagrou a ideia de que a responsabilidade penal depende, sobretudo, do elemento subjetivo do agente, mas desde que este se respalde numa conduta concreta, ofensiva a bens jurídicos. Por isso, nossos personagens não cometeram crime nenhum. Não importa que estivessem absolutamente empenhados em delinquir: o fato inelutável é que não portavam substâncias ilícitas. Logo, não há delito.
O mais curioso é pensar na hipótese de uma venda ter sido realizada. Neste caso, ao vender trigo por cocaína, teríamos uma fraude? A venda de substância diversa da prometida, com vistas a enriquecimento ilícito, é uma fraude e existem diferentes tipos penais para reagir a isso (seja como estelionato, seja como crime contra as relações de consumo). Desde que se trate a substância prometida de um objeto lícito. Assim, o viciado não teria nenhum respaldo legal para se insurgir contra a canelada, pois no caso aplicaríamos a velha máxima segundo a qual ninguém pode beneficiar-se da própria torpeza.
Em suma, trata-se de crime impossível (art. 17 do Código Penal) em relação ao tráfico e de fato insubsumível às diferentes espécies de fraude criminosa. Mas isto, claro, segundo o Direito Penal. Fora dele, no mundo dos viciados e traficantes, a ousadia perigosa constitui conduta muito séria, capaz de ensejar amplas consequências inclusive pena de morte.
Convém pensar bem nisso, o eventual espertinho que pensar em imitar os pioneiros.

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