sábado, 18 de julho de 2009

Crimes sexuais: memória da legislação brasileira

O Código Criminal do Império do Brasil, em seus arts. 219 a 225, definia estupro não como um crime específico, mas como um conjunto de tipos penais. O primeiro deles era a conduta de "deflorar mulher virgem, menor de dezasete annos", prevendo para ele uma pena de "desterro para fora da comarca, em que residir a deflorada, por um a tres annos, e de dotar a esta". Como se vê, o crime não dependia da violação da vontade da mulher ou em violência, mas na simples prática de um ato sexual proibido pela moralidade da época. O critério definidor era a idade da suposta ofendida. A pena não envolvia prisão, mas o tempo de desterro aumentava nos casos de o criminoso ser parente em grau "que não admita dispensa para casamento" ou de ter poder ou guarda sobre a ofendida.
A pena passava a ser de prisão, por três a doze anos, além de dote, nos casos de "copula carnal por meio de violencia, ou ameaças, com qualquer mulher honesta". A segregação social marcava presença: o estupro de prostituta rendia prisão por um mês a dois anos.
No mesmo capítulo estava tipificada a sedução: "seduzir mulher honesta, menor de dezasete annos, e ter com ella copula carnal". As penas eram de desterro por um a três anos, além do dote.
Uma curiosidade: tais delitos estavam previstos no capítulos dos "crimes contra a segurança da honra". O elemento sexual dominava a ideia de honra, com mais força do que o bom nome e a conduta geral perante a sociedade. Era um bem jurídico tão importante que precisava de "segurança".
Passando à República, o Código Penal de 1890 criou um título chamado "Dos crimes contra a segurança da honra e honestidade das famílias e do ultraje publico ao pudor". Seu art. 269 continha uma norma explicativa: "Chama-se estupro o acto pelo qual o homem abusa, com violencia, de uma mulher, seja virgem ou não." Uma definição tosca, claro, já que o conceito de "abuso" permanecia no ar. O artigo definia violência como sendo o emprego de força física e de meios que privassem a mulher de suas faculdades psíquicas ou da capacidade de resistência, tais como o hipnotismo, o clorofórmio, o éter, os anestésicos e narcóticos. Não havia alusão à ameaça.
O capítulo chamado "Da violencia carnal" previa os seguintes tipos penais:

"Art. 266. Atentar contra o pudor de pessoa de um, ou de outro sexo, por meio de violencia ou ameaças, com o fim de saciar paixões lascivas ou por depravação moral."
Era o correspondente do atual atentado violento ao pudor, mas também da corrupção de menores, devido à previsão do parágrafo único (muito próxima à do art. 218 do atual Código Penal). A pena era de um a seis anos de prisão celular.

"Art. 267. Deflorar mulher de menor idade, empregando seducção, engano ou fraude: Pena de prisão cellular por um a quatro annos."

"Art. 268. Estuprar mulher virgem ou não, mas honesta: Pena de prisão cellular por um a seis annos."
Se a vítima fosse "mulher publica ou prostituta", a mesma prisão, por seis meses a dois anos. Havia aumento de pena em caso de concurso de agentes.

Finalmente, com o Código Penal de 1940, ainda em vigor, apesar das inúmeras modificações, vemos surgir a estrutura ainda existente: sob a rubrica "Dos crimes contra os costumes", temos um primeiro capítulo versando sobre os crimes contra a liberdade sexual, sendo dois perpetrados mediante violência (estupro e atentado violento ao pudor) e dois mediante fraude (posse sexual e atentado ao pudor mediante fraude). Em outros capítulos, tipificava-se a sedução, o rapto e a corrupção de menores. Crimes mais graves, o estupro era punido com três a oito anos de reclusão; o atentado violento ao pudor, dois a sete anos.
De lá para cá, houve mudanças apenas nas penas cominadas e majorantes, na abolição dos crimes de rapto e de sedução, na tipificação do assédio sexual e nos efeitos dos crimes hediondos, instituídos em 1990.
Conhecendo estas informações, podemos entender melhor a mudança legislativa ora em andamento.

Fonte: PIERANGELI, José Henrique. Códigos Penais do Brasil: evolução histórica. 2ª edição, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.

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