sexta-feira, 31 de julho de 2009

O cinema e o paradoxo do puritanismo

Dia desses comentei sobre ter visto Che: o argentino, primeira parte da saga sobre o polêmico personagem histórico que se tornou a obsessão de Benício del Toro (que o interpreta), dirigido por Steven Soderbergh. Comentei sobre o filme ser algo lento e fui prevenido, pelo amigo Carlos Barretto, que a parte dois é verdadeiramente tediosa. E eis que Soderbergh voltará em breve aos cinemas (deve estrear em 14 de agosto próximo no Brasil, ou seja, aqui em Belém não) o seu Confissões de uma garota de programa que, veja só, está sendo duramente criticado por ser soporífero.
Todavia, o que mais chama a atenção no filme não é isso e sim certas opções feitas pelo diretor. Antes de mais nada, eis a sinopse, segundo o Cinema em cena:

O longa acompanha cinco dias na vida de Chelsea, uma garota de programa de luxo, que atende clientes da alta sociedade de Manhattan. Ela oferece mais do que sexo para seus clientes: oferece também companheirismo e conversa – uma verdadeira “namorada de aluguel”. Chelsea acha que tem a sua vida totalmente sob controle. Sente que seu futuro é seguro, porque cuida de seu próprio negócio à sua maneira, ganha 2 mil dólares em uma hora e tem um namorado dedicado, que aceita o seu estilo de vida. Mas quando você está no negócio de conhecer pessoas, você nunca sabe quem encontrará pela frente...

Até aí, tudo bem. Ocorre que Soderbergh segundo consta, um diretor mais famoso junto a seus pares do que junto ao público, devido ao seu estilo autoral e altamente propenso a experimentações, ou seja, um cineasta que não realiza pipocões escolheu para protagonista uma premiada atriz pornô estadunidense, Sacha Grey, que atua no gênero desde os 18 anos (hoje tem 21), ainda por cima no estilo hard core. Alegou que queria uma atriz que se sentisse à vontade nas cenas de sexo. A escolha custou a perda de um patrocínio.
É o caso de perguntar: qual é o problema de uma atriz pornô ser a protagonista de um filme não-pornô? Será que os dois universos não podem misturar-se?
Não falo sobre a qualidade (ou falta dela) da indústria pornográfica. Falo sobre a liberdade de exercer uma profissão honesta (ninguém está senso prejudicado, está?) e de não ser marcado com um símbolo de execração na testa por isso. Além do mais, falamos da esquizofrênica sociedade norteamericana, que faz escândalos por motivos absolutamente ridículos (a capa do CD "Barulhinho bom", de Marisa Monte e uma capa de revista mostrando um bebê sendo amamentado pela mãe, temas de postagem aqui no blog), mas que vende para o mundo todo, por vontade própria, através daqueles deploráveis filmes jovens, a imagem de uma sociedade alienada e depravada, em que adolescentes já transaram com vários parceiros e são recriminados, caso não o tenham feito.
A polêmica que você pode conhecer melhor lendo este artigo deve ajudar Soderbergh a angariar mais público. Eu, por exemplo, que não sou consumidor de filmes pornôs (mas que nada tenho contra), já estou curioso para saber o que ele quis dizer com a promessa de que nos surpreenderemos com a atuação de Grey, a moça que come qualquer coisa que esteja em cena.
Vamos ao cinema?

3 comentários:

Anônimo disse...

Baah Primo,

Poderias colocar uns vídeos da moça em ação para avaliarmos seu talento. Obviamente tudo sob a ótica estritamente profissional. hehe

Jean Pablo

Anônimo disse...

Segundo o que entendi da sua exposição, o filme apenas perdeu um possível patrocinador, não foi isso? Bom, seria o caso de saber de que patrocinador se trata. Dependendo do caso, a decisão da empresa pode não ter sido uma escolha moral movida pelo preconceito próprio, e sim uma escolha comercial movida pelo preconceito alheio, quer dizer, pela diretriz de não misturar o nome da marca a um filme que pode despertar polêmica por ter uma atriz pornô, o que poderia associar a marca ao pornô, ainda que de modo indireto. Agora, acredito que seu interesse seja estender a discussão para além dos limites desse caso em especial, lançando no ar a pergunta a respeito de que razões existem, se existem, para ter alguma prevenção contra um filme não pornô que lança mão de uma atriz do cinema pornô. Bom, seria preciso primeiro distinguir entre "prevenção" moral e "prevenção" artística? Quanto a esta última, a escassa formação dramática dos atores e atrizes pornôs poderia ser uma razão justificada de prevenção. Quanto à prevenção moral, realmente não vejo uma boa razão. Salvo se você for um dos fundamentalistas cristãos que abundam nos EUA e que devem fazer protestos e mover ações contra o filme em questão. Agora, se o que você quiser for uma oportunidade para criticar a hipocrisia da cultura norte-americana, fique à vontade e terá todo o meu apoio.

Yúdice Andrade disse...

"Curiosidade antropológica", como costumo dizer, Jean!

Caríssimo André, na verdade o patrocínio era apenas para a festa de lançamento do filme e a empresa era uma fabricante de cerveja. Nada que tenha grande honorabilidade, por isso não entendo o excesso de pudor.
Reconheço que me perdi um pouco enquanto escrevia, o que percebi na hora, mas não consegui consertar. Com efeito, o mote da postagem era o último aspecto que destacas: criticar a cultura estadunidense de culto à depravação, mas que hipocritamente rejeita elementos - às vezes até inocentes - que tenham alguma relação com tal depravação. Folgo em saber que estamos de acordo nesse particular.