Um dos dispositivos mais conhecidos do Código Penal é o art. 224, das disposições gerais dos crimes contra os costumes, mas que serve de parâmetro para diversos outros tipos penais. O artigo em apreço estatui a chamada presunção de violência, norma controversa, na medida em que o Direito Penal de um Estado Democrático de Direito deve impor responsabilidades baseadas em fatos, não em presunções. Essa é uma implicação imediata do princípio da culpabilidade, que veda a responsabilidade penal objetiva.
As presunções jurídicas são questionadas, mas muitos continuam a admiti-las. Contudo, as presunções de fato, como regra, devem ser sumariamente rechaçadas. E presumir-se violência é presumir-se um fato.
Mesmo assim, a norma sob comento atravessou as décadas, impávida. Faz sentido: a esmagadora maioria dos casos de violência sexual que chegam ao conhecimento das autoridades (temos que abstrair a “cifra negra”, que é imensa, particularmente nesse campo) tem, como vítimas, menores, sobretudo crianças. Daí a constatação de que um instrumento protetivo dessa espécie de vítima é essencial.
O PLS 253 acaba com o art. 224 e, portanto, com a presunção de violência. Em seu lugar, estatui um novo tipo penal, batizado com um nome muito apropriado: estupro de vulnerável. Com uma redação atualizada, assume todas as hipóteses hoje consagradas pelo art. 224.
Art. 217. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com pessoa menor de 14 (catorze) anos:
Pena – reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.
§ 1º Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com pessoa que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiver o necessário discernimento para a prática do
ato, ou que, por qualquer outra causa, não possa oferecer resistência.
§ 2º A pena é aumentada da metade se houver concurso de quem tenha o dever de cuidado, proteção ou vigilância.
§ 3º Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave:
Pena – reclusão, de 10 (dez) a 20 (vinte) anos.
§ 4º Se da conduta resulta morte:
Pena – reclusão, de 12 (doze) a 24 (vinte e quatro) anos.” (NR)
Até onde vejo, foi feliz o legislador, desta vez, inclusive no que tange ao estabelecimento de formas qualificadas para o delito. Faço apenas a ressalva, já mencionada na parte 4 desta série, de que a caracterização do estupro pode ser feita com base em qualquer tipo de ato libidinoso, o que não é a melhor opção. Mas a novidade foi bem pensada até quanto ao nome dado ao novo capítulo: dos crimes contra o desenvolvimento sexual de vulnerável.
Um comentário:
Estariamos diante de um legislador racional, que cumpre os mandamentos constituionais de um Estado Democrático de Direito? Um legislador que consegue aliar a vontade popular com o direito?! Realmente, ou estamos diante de uma revolução legislativa (para melhor, diga-se de passagem) ou é mais um estímulo a nossa pobre esperança como cidadãos e juristas...difícil escolher entre o utópico improvável e o real.
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