terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

O caso da escrivã nua

Um dos assuntos mais comentados no país, atualmente, é o da ex-excrivã de polícia civil que teve as roupas arrancadas, na presença de vários homens e com as imagens sendo gravadas, por suspeita de crime de concussão. O caso ocorreu há um ano e meio, mas somente agora veio a público, com a divulgação das imagens pela Internet.O delito imputado à ex-escrivã está previsto no art. 316 do Código Penal, sob a redação "exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida". A pena é considerável: reclusão de 2 a 8 anos e multa. Mas como se pode constatar, as penas são de natureza prisional e pecuniária. Não existe na lei — e nem poderia haver, por óbvia e gritante contrariedade à Constituição — nenhum permissivo para que o condenado (e menos ainda o mero acusado) seja humilhado, ofendido em seu pudor e ainda por cima submetido a exposição pública.
Não tendo assistido ao vídeo que anda fazendo sucesso no mundo-cão graças ao YouTube, até onde sei a suspeita não se recusou à revista, apenas exigiu seu direito de ser revistada por outra mulher. E se trata de direito expressamente consignado em lei: o art. 249 do Código de Processo Penal: "A busca em mulher será feita por outra mulher, se não importar retardamento ou prejuízo da diligência."
No caso sob comento, havia uma policial e uma guarda municipal presentes, mas ninguém recorreu a elas. Parece que os homens no recinto estavam muito desejosos de executar a diligência pessoalmente.
A conduta dos policiais configura o tipo de abuso de autoridade, na forma "submeter pessoa sob sua guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento não autorizado em lei" (Lei n. 4.898, de 1965, art. 4º, "b"). Infelizmente, a lei em apreço é antiga e não está à altura dos abusos cometidos hoje em dia. Ela prevê sanções administrativas (da advertência à demissão a bem do serviço público), civil (indenização) e penal (multa, detenção de 10 dias a 6 meses e perda do cargo, com inabilitação para o exercício de qualquer outra função pública por 3 anos). Policiais civis ou militares podem ser ainda condenados à inabilitação para o exercício de funções policiais por 5 anos.
Nada obsta que os agentes sejam punidos, em concurso, também pela ofensa ao pudor da vítima.
Não sei como as imagens, que deveriam instruir uma investigação sigilosa, acabaram na Internet. Mas hoje em dia esse é o destino de tudo, não? O fato é que as cenas, repugnantes mesmo para mim, mero telespectador, são altamente promissoras para uma boa indenização. A ser paga pelo contribuinte, claro.

Entrevista com a ex-escrivã: http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2011/02/e-uma-dupla-humilhacao-diz-ex-escriva-sobre-video-que-caiu-na-net.html

2 comentários:

Jean Pablo disse...

Yudice,

Mas porque o crime imputado á ela foi este? Não é receptação pelo fato dela, com dolo, ter recebido objeto produto de crime (no caso, falsificação de moeda)?

Abraços primo

Yúdice Andrade disse...

Que eu saiba, ela teria recebido dinheiro (verdadeiro) para não dar prosseguimento ao caso. A dúvida que me fica é se seria caso de concussão, como consta, ou de corrupção passiva, que por sinal hoje tem pena mais elevada.