sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Apologia de crime? Sério?

Professor de matemática é suspeito de apologia ao crime em Santos

Exercícios dados citam tráfico, prostituição, roubo e uso de arma. Caso foi denunciado à polícia por mãe de uma aluna de 14 anos.

Um professor de matemática de uma escola estadual de Santos, no litoral de São Paulo, é suspeito de fazer "apologia ao crime" por passar aos alunos do primeiro ano do ensino médio seis problemas que citam temas como tráfico de entorpecentes, prostituição, roubo de veículos, assassinato e uso de armas de fogo. Nas questões, o professor pergunta, por exemplo, qual a quantidade de pó de giz que um traficante deverá misturar para ganhar 20% na venda de 200 gramas de heroína ou quantos clientes cada prostituta deverá atender para que o cafetão compre uma dose diária de crack.

O caso foi denunciado à polícia na quarta-feira (16) pelos pais de uma aluna de 14 anos da Escola Estadual João Octávio dos Santos, no morro do São Bento, periferia da cidade. Na última segunda-feira (14), a adolescente comentou com a mãe que não havia conseguido responder um exercício com seis questões aplicado em sala de aula pelo seu professor de matemática. Ao ver as questões no caderno da filha, a mãe se surpreendeu com o conteúdo do texto e decidiu procurar a diretoria da escola.
Na escola, de acordo com o boletim de ocorrência registrado na Delegacia de Investigações Sobre Entorpecentes (DISE) de Santos, o professor foi chamado à sala da diretora, que também estava surpresa com o conteúdo dos exercícios e confirmou que havia aplicado tais questões, escrevendo-as na lousa, mas sem esclarecer sobre os motivos que o levaram a formular o exercício.
O professor disse ao padrasto da vítima que como a jovem não havia respondido as questões em sala de aula como fora orientada não era mais necessário respondê-las.
De acordo com o delegado titular da DISE, Francisco Garrido Fernandes, que instaurou inquérito para apurar a ocorrência, o professor e a diretora da escola já foram intimados e deverão prestar depoimento na próxima segunda-feira (21).
Caso seja condenado por "apologia ao crime", o professor poderá receber punição de três a seis meses de detenção. "É um delito de menor potencial ofensivo e se o juiz condenar pode aplicar pena de prestação de serviços." Ele diz não ter conhecimento da existência de criminosos na cidade com os apelidos de "Zaróio", "Biroka", "Jamanta", "Rojão", "Chaveta" e "Pipôco", que foram utilizados como personagens nas questões.
Em nota, a Secretaria Estadual de Educação afirma que, após receber as informações da ocorrência da direção da escola, determinou, nos termos da lei, a instauração de procedimento preliminar para apuração de responsabilidades e também o afastamento do docente.
"Enquanto não houver a conclusão desse procedimento, a administração não dará mais informações sobre o caso, pois terá de atuar como instância de decisão, não podendo, portanto, correr o risco de caracterizar prejulgamento", afirma o comunicado.

Fiz questão de copiar a matéria no próprio texto da postagem porque fiquei realmente impressionado.
Tenho um sentimento (e é nada mais do que isso, mesmo: um sentimento) de que o professor não quis fazer apologia de coisa alguma; quis apenas chocar seus alunos. Ou "causar", como se diz hoje em dia. Ele lida com adolescentes e, ministrando uma das disciplinas mais temidas pelo alunado, deve sentir muita dificuldade para cativar o corpo discente. Então decidiu uma manobra radical. Fazendo estardalhaço, conseguiria atenção e, talvez, ativar a memória dos garotos.
Se for o caso, ele não está errado nesse particular. Chama-se mnemotécnica aos procedimentos destinados a estimular a memória. E eles funcionam, porque o cérebro gosta de hierarquia e de padrões. Se a informação é associada a algo marcante para o indivíduo, a tendência é que ele se lembre dela. Por isso o Prof. Pachecão ficou famoso no cursinho pré-vestibular (e depois foi imitado por não sei quantos) devido a suas canções temáticas. O aluno não se lembraria da fórmula da aceleração da gravidade, mas se lembra de como se divertiu na aula em que foi cantada uma canção sobre ela, que ele memorizou e agora se recorda da fórmula. Talvez para sempre.
Que pais fiquem incomodados com as escolhas do professor, compreendo perfeitamente. Mas que isso gere um procedimento policial, preocupa-me profundamente. Porque me preocupa tudo que cheire a Estado policial, que é onde vivemos se somos suspeitos pelas mínimas coisas.
Tudo bem, admito que o caso me chamou a atenção também porque meus exercícios e provas são almanaques de sangue, violência e depravações de todo tipo. Mas eu sou professor de Direito Penal!!! Espero não ter que responder, no futuro, pelas criancinhas que os criminosos da família Mangabeira(*) já despacharam para o lado de lá.

(*) Se o seu sobrenome é Mangabeira, relaxe: isto não significa nada. É apenas o patronímico dos personagens desviados de minhas atividades avaliativas, há uma década. E por que Mangabeira? Bem, deixa pra lá.

4 comentários:

caio disse...

De fato, funciona. Reficofage (taxonomia), Sorvete (para a fórmula do Movimento Retilíneo Uniforme), e algumas obscenas sobre eletromagnetismo. Havia algumas da Tabela Periódica, mas já não me lembro. Isso no Ensino Médio... para concursos de quem já está ou passou do Superior, já ouvi falar em "Samba da ADIN".

Também achei exagero quererem indiciar esse professor por apologia ao crime. Por outro, creio que ele, por melhor que tenha sido a intenção (ou não!), exagerou... sei lá, que contextualizasse esporte, música, programa popular de TV... também inadequada foi a postura de dizer à jovem que, por não ter conseguido fazer as questões em sala, não precisava mais fazê-las. Ao menos do jeito que foi reportado, pareceu uma grosseria. Mesmo que seja merecedor de alguma advertência branda, porém, isso deveria ser irrelevante para a área penal.

(Poxa! Esperava finalmente descobrir o porquê do Mangabeira. Lhe perguntei há tempos sobre. Acho até que foi na primeira vez que comentei aqui, há quase 3 anos...)

Ana Miranda disse...

Yúdice, você, além de professor de Direito Penal, leciona para maiores de 18 anos.
Nesse caso, o professor está lidando com adolescentes de 14 anos, que na sua maioria, não têm um diálogo legal com os pais e também não têm um bom discernimento. (estou falando em "maioria" sem nenhum dado científico para confirmar, falo assim por tudo que vejo, ouço e assisto sobre adolescentes)
E eu também não chamaria isso de "apologia ao crime", só acho que quando lidamos com adolescentes, todo cuidado é pouco...

Yúdice Andrade disse...

Funciona, sim, Caio. Chega a ser impressionante.
Quanto ao mito dos Mangabeira, melhor deixar como está, por enquanto.

Mesmo lidando com outro público, Ana, também acho que todo cuidado é pouco. Às vezes, em sala de aula, falo frases mais fortes, para ser mais literal ou veemente, mas sempre me justificou ou até peço licença da má palavra, para evitar mal entendidos. Imagine escolher temas tão estranhos, até onde se sabe sem motivo.
Acho que o rapaz errou, mas me incomoda muito essa tendência criminalizadora cada vez mais acentuada.

Anônimo disse...

Se o professor usou ou não isto como uma alternativa para chamar a atenção de seus alunos como você descreveu – usando a mnemotécnica –, não sabemos. Mas espero que sim e concordo que uma coisa dessas não deveria ter chegado ao ponto em que chegou, de colocar a polícia no meio. O fato é que as pessoas andam tão assustadas com o que anda acontecendo que qualquer coisa é motivo de alarde, como aconteceu com a mãe dessa criança. Todavia, há várias coisas me lembro até hoje desde os tempos escolares por ter aprendido desta forma. Apoio este método.

Alexandre