sexta-feira, 20 de outubro de 2006

Estado, algoz do cidadão

Esqueça aquelas famosas teorias de contrato social, segundo as quais os indivíduos se reúnem e, voluntariamente, cedem parcelas de seu poder natural para uma pessoa ou entidade — primeiro o príncipe, depois o Estado —, a fim de que esta lhes proteja e lhes garanta a vida, a liberdade, o patrimônio e outros direitos. Essas construções teóricas são tão arraigadas no imaginário universal que fica difícil escapar delas. Todavia, em países atrasados como o Brasil, não há como negar o óbvio: ninguém causa mais danos ao cidadão, inclusive dolosamente, do que o Estado.

Os exemplos fluem ao infinito, mas me concentrarei em um tema que é bem próprio de minha formação pessoal: o erro judiciário em matéria penal. Acabei de ler, com grande satisfação, matéria dando conta de que o Superior Tribunal de Justiça concedeu indenização de dois milhões de reais a Marcos Mariano da Silva, hoje com 58 anos, que passou 19 deles preso por um homicídio que não cometeu.

Leia a notícia, pois ela é emblemática acerca do descalabro que se vive neste país. Em síntese, Silva foi preso sem jamais ter sido julgado e sem lhe ter sido oportunizada defesa, por dois períodos distintos que, somados, chegam a 19 anos. Da segunda vez, a polícia alegou violação de liberdade condicional, coisa que ele jamais recebera.

Silva perdeu seu patrimônio e a família o abandonou. Durante um motim em 1992, a polícia invadiu a penitenciária detonando bombas de efeito moral, cujos estilhaços atingiram seus olhos. Ficou completamente cego.

A incapacidade do Estado de administrar a justiça penal arruinou a vida de (mais) um homem que, é bom que se ressalte, é negro e sempre foi pobre, trabalhador e honesto. É nisto que devem pensar os donos da verdade que, diariamente, defendem que as leis penais fiquem mais rigorosas e que as prerrogativas processuais dos acusados sejam reduzidas. O que o cidadão comum deseja, infelizmente, por estar pressionado pela escalada da criminalidade, é eliminar o próprio sentimento de medo que o acomete. Assim, à menor possibilidade de que alguém seja criminoso, espera-se que o castigo recaia sobre o mesmo, impiedosamente e sem qualquer raciocínio.

Estamos voltando ao homo hominis lupus. Deus nos acuda!

2 comentários:

Anônimo disse...

Enquanto isso tem bicheiro eleito senador, tem episódios tenebrosos como a chacina de eldorado dos Carajás completando 11 anos sem ninguém condenado por isso e o principal mandante concorrendo a cargo eletivo, tem maluf recebendo absurda votação em são paulo, tem...

Ivan Daniel disse...

Yúdice, fico pensando será que essa 'justiça' veio em tempo? O cidadão ainda está vivo, é verdade, mas paga todo o sofrimento a que foi injustamente submetido, retirando os moelhores anos (talvez) da sua maturidade?
Agora no almoço assisti em um telejornal a um caso de abuso de poder no interior de São Paulo, onde um policial militar armado com uma espingarda submeteu à humilhação vários alunos com idade entre 7 e 12 anos (crianças!!), colocando-os ajoelhados em um piso de pedrinhas acusando ter sido um deles que jogou uma pedra em sua viatura, e como não sabia quem era todos pagariam pelo erro de um. E o pior, o policial faz parte do grupamento de segurança escolar!
Então funciona assim: somos primeiro condenados e depois recebemos um afago.
Um abraço,
Ivan.