Esqueça aquelas famosas teorias de contrato social, segundo as quais os indivíduos se reúnem e, voluntariamente, cedem parcelas de seu poder natural para uma pessoa ou entidade — primeiro o príncipe, depois o Estado —, a fim de que esta lhes proteja e lhes garanta a vida, a liberdade, o patrimônio e outros direitos. Essas construções teóricas são tão arraigadas no imaginário universal que fica difícil escapar delas. Todavia, em países atrasados como o Brasil, não há como negar o óbvio: ninguém causa mais danos ao cidadão, inclusive dolosamente, do que o Estado.
Os exemplos fluem ao infinito, mas me concentrarei em um tema que é bem próprio de minha formação pessoal: o erro judiciário em matéria penal. Acabei de ler, com grande satisfação, matéria dando conta de que o Superior Tribunal de Justiça concedeu indenização de dois milhões de reais a Marcos Mariano da Silva, hoje com 58 anos, que passou 19 deles preso por um homicídio que não cometeu.
Leia a notícia, pois ela é emblemática acerca do descalabro que se vive neste país. Em síntese, Silva foi preso sem jamais ter sido julgado e sem lhe ter sido oportunizada defesa, por dois períodos distintos que, somados, chegam a 19 anos. Da segunda vez, a polícia alegou violação de liberdade condicional, coisa que ele jamais recebera.
Silva perdeu seu patrimônio e a família o abandonou. Durante um motim em 1992, a polícia invadiu a penitenciária detonando bombas de efeito moral, cujos estilhaços atingiram seus olhos. Ficou completamente cego.
A incapacidade do Estado de administrar a justiça penal arruinou a vida de (mais) um homem que, é bom que se ressalte, é negro e sempre foi pobre, trabalhador e honesto. É nisto que devem pensar os donos da verdade que, diariamente, defendem que as leis penais fiquem mais rigorosas e que as prerrogativas processuais dos acusados sejam reduzidas. O que o cidadão comum deseja, infelizmente, por estar pressionado pela escalada da criminalidade, é eliminar o próprio sentimento de medo que o acomete. Assim, à menor possibilidade de que alguém seja criminoso, espera-se que o castigo recaia sobre o mesmo, impiedosamente e sem qualquer raciocínio.
Estamos voltando ao homo hominis lupus. Deus nos acuda!
2 comentários:
Enquanto isso tem bicheiro eleito senador, tem episódios tenebrosos como a chacina de eldorado dos Carajás completando 11 anos sem ninguém condenado por isso e o principal mandante concorrendo a cargo eletivo, tem maluf recebendo absurda votação em são paulo, tem...
Yúdice, fico pensando será que essa 'justiça' veio em tempo? O cidadão ainda está vivo, é verdade, mas paga todo o sofrimento a que foi injustamente submetido, retirando os moelhores anos (talvez) da sua maturidade?
Agora no almoço assisti em um telejornal a um caso de abuso de poder no interior de São Paulo, onde um policial militar armado com uma espingarda submeteu à humilhação vários alunos com idade entre 7 e 12 anos (crianças!!), colocando-os ajoelhados em um piso de pedrinhas acusando ter sido um deles que jogou uma pedra em sua viatura, e como não sabia quem era todos pagariam pelo erro de um. E o pior, o policial faz parte do grupamento de segurança escolar!
Então funciona assim: somos primeiro condenados e depois recebemos um afago.
Um abraço,
Ivan.
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