terça-feira, 24 de outubro de 2006

Os irmãos inimigos

Os irmãos inimigos é um romance do escritor grego Nikos Kazantzakis, que ficou mais famoso por obras como Zorba, o grego e A última tentação. Aqui, contudo, é apenas um chamariz poético para por em questão as dissensões internas verificadas no Brasil. O filósofo John Locke, em seu Segundo tratado sobre o governo, apontava a existência de facções, na sociedade, como uma das principais causas de sua ruína. A unidade era importante, portanto.
Gilberto Dimenstein, respeitável jornalista citado aqui mais de uma vez, escreveu que a atual campanha à presidência da República fomentou ódios contra os paulistas. Leia. Ele defende o muito que São Paulo fez por nordestinos e seus descendentes, como ele mesmo.
Meu mote é um pouco diferente. De fato, São Paulo fez e faz muito pelo Brasil, mas não é essa a questão. O problema seria um governo muito voltado para uma região de um país continental, em detrimento das demais, qualquer que fosse a privilegiada — como se sugere que um eventual governo Alckmin seria. Amazônida sou, mas nem por isso espero um governo que só olhe para a Amazônia. O que espero é um governo que, sim, invista nas muitas áreas geográficas que têm sido tradicionalmente abandonadas — a Amazônia, o sertão nordestino, o meio norte, etc.
É fato que São Paulo está muito mais desenvolvido e sua industrialização, turismo, negócios e outros ramos lhe dão fôlego para oferecer um pouco de solidariedade aos irmãos que não gozam das mesmas vantagens.
Também é fato que as diferenças no desenvolvimento das regiões cria as condições para bairrismos. Ou a história de que nordestino em São Paulo só serve para porteiro é lenda urbana? Não disseram os paulistas que carregavam o Brasil nas costas? Não existe, até hoje, um movimento separatista no sul, mais especificamente no Rio Grande do Sul, que numa corruptela farroupilha quis fundar, há menos de duas décadas, uma República dos Pampas? Elba Ramalho não foi censurada, nos anos oitenta, por gravar uma canção que a cada final de estrofe repetia "Imagine o Brasil ser dividido e o nordeste ficar independente"?
E o que dizer das rusgas entre paraenses e maranhenses, fundada na alegação de que havia (ou há) uma política dos governos maranhenses de mandar seus miseráveis fazer favela no Pará? Com efeito, as favelas locais são abarrotadas de maranhenses.
Mais incompreensível é o ódio entre paraenses e amazonenses, com estes nos mandando dardos frequentes, sem que haja muitas diferenças entre nós, quanto ao nível de abandono pelos governos federais.
Vivem dizendo que o brasileiro é um povo solidário. Será? Quem estaria disposto a esperar investimentos, para que os mais pobres do que nós tenham uma pequena primazia de alguns anos?

Acréscimo e fracionamento da postagem em 8.9.2011
O art. 3º da Constituição de 1988 dispõe que constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil "construir uma sociedade livre, justa e solidária" e "erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais" (incisos I e III).

***

Para arrematar, música nordestina (cantada ao estilo repentista, só que mais lenta):

Nordeste independente (Ivanildo Vila Nova & Bráulio Tavares)
1
Já que existe no Sul este conceito
que o Nordeste é ruim, seco e ingrato,
já que existe a separação de fato
é preciso torná-la de direito.
Quando um dia qualquer isso for feito
todos dois vão lucrar imensamente
começando uma vida diferente
da que a gente até hoje tem vivido:
imagine o Brasil ser dividido
e o Nordeste ficar independente.

2
Dividindo a partir de Salvador
o Nordeste seria outro país:
vigoroso, leal, rico e feliz,
sem dever a ninguém no exterior.
Jangadeiro seria o senador
o cassaco de roça era o suplente
cantador de viola o presidente
e o vaqueiro era o líder do partido.
Imagine o Brasil ser dividido
e o Nordeste ficar independente.

3
Em Recife o distrito industrial
o idioma ia ser "nordestinense"
a bandeira de renda cearense
"Asa Branca" era o hino nacional
o folheto era o símbolo oficial
a moeda, o tostão de antigamente
Conselheiro seria o Inconfidente
Lampião o herói inesquecido:
imagine o Brasil ser dividido
e o Nordeste ficar independente.

4
O Brasil ia ter de importar
do Nordeste algodão, cana, caju,
carnaúba, laranja, babaçu,
abacaxi e o sal de cozinhar.
O arroz e o agave do lugar
a cebola, o petróleo, o aguardente;
o Nordeste é auto-suficiente
nosso lucro seria garantido:
imagine o Brasil ser dividido
e o Nordeste ficar independente.

5
Se isso aí se tornar realidade
e alguém do Brasil nos visitar
neste nosso país vai encontrar
confiança, respeito e amizade
tem o pão repartido na metade
tem o prato na mesa, a cama quente:
brasileiro será irmão da gente
venha cá, que será bem recebido...
imagine o Brasil ser dividido
e o Nordeste ficar independente.

6
Eu não quero com isso que vocês
imaginem que eu tento ser grosseiro
pois se lembrem que o povo brasileiro
é amigo do povo português.
Se um dia a separação se fez
todos dois se respeitam no presente
se isso aí já deu certo antigamente
nesse exemplo concreto e conhecido,
imagine o Brasil ser dividido
e o Nordeste ficar independente.

PS — Como visto, neste mundo sonhado pelo cancioneiro popular nordestino, não existe Amazônia.

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