Nesse assustador "pacote de segurança" que está sendo "discutido" no Congresso Nacional — como se a maioria de nossos parlamentares tivesse aptidão para, ao menos, entender a magnitude do que está sob análise — um dos temas envolve a medida conhecida como delação premiação. Consiste, basicamente, numa redução da pena do criminoso que colaborar com as investigações ou com o processo. Os críticos têm-se mostrado contrários ao benefício. Isto pede uma reflexão.
O sistema penal norteamericano, sempre lembrado pelos adeptos dos movimentos de lei e ordem (a turma do prende e arrebenta) como modelo de rigor e eficiência, adota a delação premiada em níveis inimagináveis por nós. Lá, alguém que tenha participado ativamente de um crime, mesmo que grave, pode entregar os seus comparsas e passar de réu a simples testemunha, ficando impune. Não será julgado; logo, não será condenado. Em outros casos, a promotoria pública negocia a acusação que fará. Quanto mais o indivíduo colaborar, mais branda será a acusação, assegurando uma pena pequena ou uma rápida liberdade condicional, ou ainda a prestação de serviços comunitários.
A tradição brasileira sempre foi de horror à transação em matéria penal, por isso os prêmios ao criminoso delator foram pensados de modo muito cauteloso. É a Lei n. 9.807, de 1999, que regulamenta a delação premiada. Segundo ela, para que o acusado consiga o benefício máximo (o perdão judicial), deve "colaborar efetiva e voluntariamente com a investigação e o processo criminal, desde que dessa colaboração tenha resultado:
I — a identificação dos demais co-autores ou partícipes da ação criminosa;
II — a localização da vítima com a sua integridade física preservada [exigência para o crime de extorsão mediante sequestro];
III — a recuperação total ou parcial do produto do crime [se for o caso]."
A norma acima permite que se compreenda qual é a verdadeira intenção da delação premiada: não apenas ter sucesso na investigação, mas minimizar os efeitos do crime para a vítima e, de modo mais imediato, salvar-lhe a vida. Nos casos em que a vítima é recuperada "com vida", porém ferida, o delator não recebe perdão judicial, tendo direito apenas a uma redução da pena, que pode variar de um a dois terços.
Portanto, a delação premiada — que muitas vezes se revela a única opção para se concluir com êxito uma investigação — não deve causar escândalo a ninguém. Nos casos mais graves, com vítimas pessoais, o criminosos não obterá o perdão judicial, podendo ser condenado e cumprir sua pena.
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