terça-feira, 27 de fevereiro de 2007

Cadeia para ladrão de boné de dez reais

Da Folha Online:


Um homem que roubou um boné de R$ 10 ao lado de mais duas pessoas, com uma arma de plástico, irá cumprir cinco anos e quatro meses de prisão em regime semi-aberto, conforme decisão do TJ (Tribunal de Justiça) do Rio Grande do Sul. O crime ocorreu em Pelotas (RS), em 2002, e a decisão de manter a condenação foi dada quinta-feira (22).
Na sentença, o relator da apelação, desembargador José Eugênio Tedesco, disse que não é possível aplicar o princípio de insignificância ao caso, apesar do baixo valor do boné, porque roubos extrapolam a questão patrimonial, devido à existência de grave ameaça à pessoa.
De acordo com a decisão, além do tempo de prisão, o réu ainda deverá pagar pena pecuniária de um terço do salário mínimo vigente na época do crime.

Enquanto isso, permanecem em liberdade e sem ser molestados aqueles que espancam desafeto imobilizado por segurança em local de acesso ao público; aqueles que puxam arma de fogo dentro de um automóvel e simulam disparar contra um amigo na calçada, apavorando os transeuntes, que se jogaram no chão; os empresários acusados de evasão de divisas; os abutres dos cofres públicos, fraudadores de licitações e os que cometeram crimes eleitorais.

Para estes, o princípio da insignificância serve direitinho.

3 comentários:

Anônimo disse...

Yúdice, a questão aí é que o magistrado fica "preso" ao texto da lei. Nossa tradição positivista, muitas das vezes, impede que o magistrado inove. Agora, nós que trabalhamos com o Direito sabemos o quanto é comum, quem não tem condições de contratar um bom advogado, e amargar anos na cadeia, mesmo já tendo direito de estar em liberdade.
No caso em tela, creio que o magistrado poderia ter aplicado o principio da insignificância, não com base, apenas, no valor irrisório do boné, mas também na ausência de perigo real à vida da vítima, por total ineficácia do objeto, no caso, arma de brinquedo. Agora, se fizesse isso, no mínimo, receberia um puxão de orelhas da corregedoria, por não ter aplicado a lei, que tipifica o crime de roubo. Que país é este? Que enche as cadeias de pobres, os peixinhos, e deixa os tubarões à solta, dilapidando o patrimônio público? Coisas de Brasil. É aquela velha história, para os amigos, os benefícios da lei, para os inimigos - na verdade, para os pobres - os rigores.

Yúdice Andrade disse...

Discordo, caro Márcio, que o juiz fique preso a qualquer coisa, seja à lei, seja (com mais razão) a uma tradição positivista. Fica preso se quiser, se for covarde.
Admito, é claro, que um juiz novato sofre condicionamentos especiais, principalmente antes de ser vitaliciado. Eu seria cínico se negasse que, fosse juiz, andaria no sapatinho até ser vitaliciado. Respeito quem age dessa forma e, pesando inclusive a idade e inexperiência, ainda prefiro um juiz cauteloso.
Porém, a partir do momento que o juiz supera essa fase inicial e tem convicção de que a solução justa para o caso é uma inovadora, polêmica e até mesmo contra a letra expressa da lei, se ele se acovardar, violando aqueles ideais de Justiça corajosa que escutamos na faculdade, então é um mau juiz, que não honra a função. Assim como seria se pensasse mais nas suas probabilidades de promoção do que em fazer justiça.
É o que penso.

Anônimo disse...

Na verdade, Yudice, o que eu vejo no dia a dia forense é isso mesmo: o juiz fica preso à tradição positivista. Até os já vitaliciados agem dessa forma. Em sua maioria. Pecam pelo excesso de zelo à letra morta da lei. O sistema juridico brasileiro é bastante simplório. Deve-se cumprir o que está no texto da lei. E aí, os juízes nessa simplicidade evitam buscar soluções em outros caminhos. Nós temos uma cabeça mais arejada para novas idéias. Mas, o que eu vejo no dia a dia, Yudice, são juízes evitando inovações.