sexta-feira, 16 de fevereiro de 2007

O Cristo de madeira

Ana Carolina, com sua voz possante e sua simpatia, ganhou espaço de destaque na atual música brasileira, justo reconhecimento à excepcional cantora e compositora que é. Seu mais recente lançamento, o CD duplo Dois quartos, foi classificado por críticos como um ato de coragem, seja porque em tempos de baixar músicas da internet não se compra CD, ainda mais duplo, que é mais caro; seja por tratar de dois temas complicados: sexualidade, com ênfase para a homo, e política.

Quem se acostumou a uma Ana Carolina romântica, na linha melosa que emplaca nas rádios, vai estranhar muito e pode até não gostar. As baladas estão lá, não tão boas quanto as anteriores. O bom do CD, realmente, são suas canções de manifesto.

Para começar o dia, mostro-lhes a letra da ótima O Cristo de madeira (composição dela mesma). Em especial para os meus novos alunos, nestes tempos em que refletimos sobre o quê, o por quê e o para quê do Direito Penal.

Saiu da cadeia sem um puto
Sol na cara monstruoso
Ele é da alma "trip" dos malucos
Belo, mas nunca vaidoso
Um dia comparado a mil anos
Saiu lendo o evangelho
Vida e morte valem o mesmo tanto
Evolução do novo para o velho
Puxava seus cabelos desgrenhados
Vendo a vida assim fora da cela
Não quis ficar ali parado
Aguardando a sentinela
A vida parecia reticente
Sabia do futuro e do trabalho
Lembrou de sua mãe já falecida
Verdade era seu princípio falho
Pensando com rugas no rosto
Olhava a massa de cimento
A sensação da massa fresca
Transmitia às mãos o seu tormento
Trabalhava, ganhava quase nada
Fazendo frio ou calor
Difícil era quem aceitasse
Um cara que já matou
Se olhou como um assassino
No espelhinho da construção
O que viu foi sua cara de menino
Quando criança com seu irmão
Aonde anda seu irmão
Em algum buraco pelo chão
Ou frequenta alguma igreja
Chamando a outros de irmãos?
Sábios não ensinam mais
Refletiu sua sombra magra
Com o pouco que raciocina
Ele orava, ele orava
Mas o Cristo de madeira
Não lhe dizia nada
Mas o Cristo de madeira 
Não lhe dizia nada
Mas o Cristo, brincadeira, 
Não lhe dizia nada

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