terça-feira, 13 de fevereiro de 2007

O crime do momento — 3ª abordagem: a dimensão humana

A maioria das pessoas jamais pensou nisso e, provavelmente, não está disposta a pensar, mas o fato indesmentível é que criminosos também possuem famílias.

O motivo pelo qual o brasileiro médio desenvolveu ódio pela expressão "direitos humanos" é que as entidades de defesa dos direitos humanos, historicamente, têm incorrido no gravíssimo equívoco de dar atenção às vítimas da arbitrariedade estatal, ignorando aquelas que padecem por conta de ações individuais. Há uma explicação para isso: essas entidades foram engendradas na reação à ditadura militar, quando o governo e seus prepostos eram o belzebu que aniquilava o cidadão. Se a repressão fosse vencida, o indivíduo viveria em paz.

Pode não ser má-fé, mas o erro é imperdoável. Na prática, até hoje tais entidades fazem barulho quando alguém é vitimizado pelo Estado — e aí entram os delinquentes e acusados em geral —, mas se omitem quando a violência parte deles, deixando a ver navios as vítimas e familiares, nos casos de homicídio, roubo, estupro, etc. Daí que o povo protesta: direitos humanos são só para bandidos. E a reação compreensível: direitos humanos para os humanos que são direitos.

Um erro não justifica outro. Temos que consertar a premissa dos direitos humanos em favor de cada cidadão e exigir do Estado que cumpra seu papel de prestar assistência — médica, psicológica, social e outras — às vítimas de violência. Exigir que as organizações não-governamentais façam o mesmo.
Li hoje sobre o sofrimento das famílias dos matadores de João Hélio. Gente honesta — inclusive uma mãe que educou seus filhos "na igreja" — e que agora se vê no turbilhão do crime do momento, correndo o risco até de execração popular, tornando-se assim vítimas também, e vítimas inocentes.

Familiares de criminosos também sentem saudade, medo e frustração. Também têm direito à esperança. E também correm riscos, ficam estigmatizados e, muitas vezes, têm suas vidas arruinadas. Não é porque ainda podem abraçar seus filhos (enquanto a família de João Hélio não pode mais abraçá-lo) que perderam a sua humanidade.

Sou solidário a todas as famílias envolvidas. E desejo, como cidadão, que o crime seja punido, como deve ser. Desejo que a aplicação do Direito Penal ocorra exatamente como deve ser. Como deveria ser. Não como é.

3 comentários:

Anônimo disse...

Yúdice, você deve ser um excelente professor de Direito. Quando você for palestrante em eventos de sua área, gostaria de estar presente. É só divulgar aqui no blog. Parabéns pela sua pesquisa e comentário coerente com o fato.
Abraços, Cristina Moreno

Anônimo disse...

Yúdice, o Brasil vive um grande momento de transição:
-Campo para a cidade;
-Feudal/oligárquico/autoritário p/ democrático/popular/participativo;
-Analfabeto para educado/instruido;
-Privilegiados para solidários;
Só a justiça brasileira ainda não se tocou ou foi tocada, apesar do surgimento do MP.

Yúdice Andrade disse...

Cris, suas visitas sempre me deixam feliz, devido a suas palavras gentis. Já que você tem interesse pelo Direito, avisarei sobre alguma palestra que for fazer. E se quiser assistir a alguma aula minha, pode ir. Há algumas cujas temas são mais interessantes para pessoas de fora. De repente uma dessas poderia ser legal.
Anônimo, de fato atravessamos as mudanças mencionadas. Só não vejo o "Privilegiados para solidários" acontecendo, mas o resto sim. Todavia, todos esses processos têm sido horrivelmente lentos. Por que a atuação do Estado em matéria de segurança pública seria rápida? Ótimo se fosse, mas destoaria de todo o resto. Logo, não é algo que se deva esperar.
No mais, o que você quer dizer com "surgimento do MP"? A instituição Ministério Público existe há décadas. De novo há o fato de ter sido reorganizada (e ganhado dignidade). Mas isso foi com a Constituição de 1988, há mais de dezoito anos.