O crime antes mencionado também me rendeu um café da manhã indigesto, vendo o comentarista do Bom Dia Brasil, Alexandre Garcia — que é jornalista e não me consta que possua qualquer formação específica em temas ligados à segurança pública —, metido em seu belo terno, lindamente penteado e barbeado, fazer um libelo pelo endurecimento das leis e pela redução da maioridade penal (já que um dos sequestradores era menor). Parecia um promotor de Justiça na tribuna, tal a veemência com que se manifestou.
Os elementos do famigerado discurso lei e ordem marcaram presença. O eloquente jornalista sustentou sua certeza de que leis mais severas são eficientes para conter a criminalidade e citou exemplos: no Brasil, um adolescente sequer pode ser chamado de "criminoso". Um condenado a 30 anos de prisão cumpre apenas cinco. Mentira, senhores leitores. Mentira. Não é assim que funciona. A deturpação de informações é uma das maiores armas dessa turma.
O abalizado comentarista misturou prazos de progressão de pena com liberdade condicional. No Brasil, o prazo mínimo para pleitear livramento condicional é de um terço da pena (o que já daria 10 anos), mas para crimes hediondos — como homicídio qualificado, extorsão mediante sequestro, estupro, etc. — é de dois terços, ou seja, 20 anos. E em qualquer caso a medida só pode ser implementada se o condenado preencher o requisito subjetivo, que é o mérito. Ou seja, não basta o cumprimento do prazo, como os mal intencionados dão a entender. Se querem convencer o povo a endurecer, que o façam com argumentos, não com manipulação.
Outro elemento do discurso lei e ordem estava presente: o maniqueísmo. O douto articulista disse que a função da lei é proteger os "legais" dos "ilegais", numa ingenuidade que peca pela velha separação entre "bandidos" e "cidadãos de bem".
Mas o argumento de ouro foi que não se deve combater a violência e sim o bandido, que é a causa da violência. Daí a lei e ordem mostra o que é: insensata, reducionista, burra. Então as causas da violência são apenas ou, pelo menos, primordialmente os criminosos? Se entendermos assim, combatê-la fica fácil, pois basta eliminar, em qualquer sentido, os criminosos, não havendo a menor necessidade de gerar empregos, dar oportunidades aos jovens, restaurar famílias, combater o tráfico de drogas, favorecer a educação, etc., etc., etc.
E é justamente isso que a turma da lei e ordem quer: proteger os segmentos da sociedade que têm acesso aos centros de decisão, que não querem aplicar os recursos apropriados para os seus luxos em investimentos fundamentais à sociedade como um todo. E enquanto isso, eliminam os outros segmentos, para que estes não incomodem suas vistas com sua feiúra e sua pobreza.
Tudo isso se torna ainda mais indigesto quando lembro que a população brasileira está 100% pronta para aceitar essas teorias. Justamente graças à imprensa e seu "papel social".
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