Quando ocorre um crime grave, sente-se de modo mais vívido aquilo que a teoria considera a consequência inerente de todo delito: a sociedade dá vazão a sentimentos de medo, insegurança, revolta e outros, criando um ambiente caracterizado pela sensação de perda do mínimo necessário à sobrevivência do grupo. Tal reação reclama medidas para que os cidadãos voltem a ter tranquilidade e confiança nas instituições.
Sabedores disso, certos segmentos sociais implementam as ideias do que se convencionou chamar de movimentos de lei e ordem. Sob argumentos de defesa social e uma convicção pueril de que a criminalidade pode ser contida com medidas enérgicas, propõem a tomada de providências drásticas e o mais das vezes pouco refletidas, cujo principal efeito é dar uma resposta à sociedade. As pessoas terão a sensação de que algo foi feito e de que a paz foi recobrada. Todavia, como não se atacam as causas reais da criminalidade, o mais provável é que, após uma aparente retração, os níveis de violência voltem aos patamares anteriores. A História e as estatísticas têm confirmado esta afirmação.
Apavorada com a violência atual, a maior parte dos brasileiros assimilou o ideário lei e ordem. Se pudesse haver um plebiscito hoje sobre o tema, estou certo de que a pena de morte seria aceita pelo povo.
A cartilha lei e ordem tem como discurso principal o endurecimento das leis penais, com medidas como o aumento das penas, a supressão ou restrição de direitos dos acusados (processuais e executivos), a maior atuação dos órgãos executivos (polícia e instituições penitenciárias) em detrimento das judiciais (que costumam respeitar a lei e preservar o corpo dos acusados), dentre outras.
É vendida descaradamente pela mídia, sua principal divulgadora, que atua não movida pelo interesse social, mas apenas para obter audiência e influência. E comprada pelo Congresso Nacional. Normalmente preguiçoso, basta um crime desses acontecer para que os temíveis pacotes de segurança saiam das gavetas e sejam aprovados a toque de caixa, sem a devida reflexão — mas com amplo potencial para arrebanhar votos. Foi assim com o assassinato de Daniela Perez (provocou a inclusão, no elenco dos crimes hediondos, do homicídio qualificado), com os casos de violência policial em meados dos anos 90 (que produziram a Lei de Tortura) e tantos outros exemplos de leis apressadas, mal feitas, completamente sem noção de sistema, avessa aos princípios do Direito Penal e, mesmo, inconstitucionais.
Uma verdade precisa ser aceita: quem resolve cometer um crime, não deixará de fazê-lo por conta da gravidade da pena. Afinal, o ideal de todo criminoso é a impunidade. Dobrar a pena de um crime não tem o poder de reduzir os índices de seu cometimento. Para citar o exemplo mais gritante, onde a pena de morte foi abolida, a criminalidade não aumentou; onde foi instituída, não diminuiu.
Aceite que não é discurso de comunista: o único meio de combater a criminalidade é enfrentando, por meio de políticas sociais sérias e eficazes, as reais causas do crime, fundadas na exclusão social, em todos os níveis. Como exemplo, cito a Colômbia. Isso mesmo, a Colômbia.
Concluo com duas perguntas:
1. Por que os congressistas não demonstram o menor interesse em debater e votar os incontáveis projetos de lei em matéria penal hoje esquecidos no Senado e na Câmara, fora desses períodos de alarma social?
2. Sabendo que a legislação penal brasileira ficou mais rígida nos últimos anos, por que a violência não para de crescer?
Acredito com honestidade que respostas serenas a estes questionamentos endossariam as ideias desta postagem.
2 comentários:
Pois é, não é apenas de leis novas que precisamos, parabéns pelas posições.
Agradeço o endosso. Convencer as pessoas disso é uma de minhas principais preocupações como professor.
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