Anos atrás, eu era estagiário num escritório com atuação predominante na Justiça do Trabalho. Nossas advogadas trabalhavam para um sindicato e, por causa disso, tínhamos várias ações contra a mesma empresa, a qual tinha por hábito recorrer sem recolher o depósito recursal. Seus recursos eram trancados, então ela agravava para o TRT e depois para o TST. Com isso, emperrava o processo por anos a fio, sem gastar um tostão. Era nitidamente procrastinatório e tinha efeitos drásticos: os trabalhadores ficaram anos sem ver a cor do dinheiro e eram cento e muitas pessoas, que nos ligavam dia sim, outro também. Além disso, tínhamos que contra-arrazoar uma penca de recursos inúteis. Aquilo me enfurecia, a ponto de eu nutrir raiva da advogada da empresa. Um dia, recebi um recado dela: não tenha raiva de mim; estou apenas fazendo o meu trabalho.
O tempo passou e hoje essa advogada mora no meu coração e, sem saber, ensinou-me uma lição. Tudo bem que é uma lição fácil de eu assimilar, porque também sou advogado. Mas quem não é não compreende nem está disposto a fazê-lo. Daí resulta a péssima fama de que a nossa classe sempre gozou — muitas vezes, injustamente. E quanto mais escandaloso o caso a ser defendido, tanto pior a reação das pessoas em relação aos advogados.
Fica no ar, portanto, o questionamento sobre os nossos limites éticos. O problema é que o cidadão comum acha que o simples fato de defender o lado errado de uma causa já é passível de sonora reprovação. Mas isso é um exagero, já que o funcionamento do sistema jurídico exige que ninguém seja sancionado sem defesa. O cônjuge culpado, o devedor do contrato, o empregador inadimplente, o poder público sem vergonha, o criminoso — todos devem ser defendidos. Logo, o advogado precisa lançar mão de alguma estratégia e isso será, só e simplesmente, fazer o seu trabalho, sem que mereça ser execrado por isso.
O questionamento passa a ser, assim, até onde podemos ir para fazer uma defesa.
Semana passada, o defensor de um dos matadores dos irmãos Novelino abandonou o tribunal do júri, alegando que o juiz presidente não o deixava trabalhar, pois cerceava a defesa.
O defensor de Valentina de Andrade, suposta mentora intelectual das emasculações de meninos em Altamira, encheu o processo com milhares de cópias de documentos inúteis, que sozinhos formaram mais de 20 volumes, e exigiu a leitura das peças na abertura do julgamento, com o objetivo evidente de esgotar física e mentalmente a todos, especialmente os jurados, que deveriam ficar longe de suas famílias e atividades até o final dos trabalhos. E deu no que deu.
O advogado da desembargadora aposentada Murrieta, que já atacou de suspeição do juiz, exige a oitiva de uma testemunha que mora em Miami, para forçar a expedição de uma carta rogatória, que o Poder Judiciário dos Estados Unidos não tem prazo para cumprir, emperrando ainda mais o processo, para levá-lo à prescrição.
O advogado e tutor de Suzane von Richthofen maquinou a ensaiadíssima entrevista que ela concedeu à imprensa, com direito a roupinha cor de rosa e fala infantilizada.
Afinal, esse tipo de procedimento torna o advogado meio culpado, também, como se ele assumisse não apenas a causa, mas também as más inclinações de seu constituinte? Penso que não. E suponho que os advogados que passem por aqui tenderão a pensar do mesmo modo. Já as demais pessoas terão uma opinião diametralmente oposta.
Não sendo possível a ninguém dar uma opinião definitiva sobre uma questão ética, acredito que seja razoável propor a seguinte regra: se a manobra do advogado envolver estratégias técnicas — e aí cabem todos os exemplos acima —, a conduta pode ser considerada dentro dos limites de sua atividade profissional, mesmo que merecedora de censura no plano moral. É por isso que tais profissionais não são punidos pela Ordem dos Advogados, já que não incorreram em falta disciplinar.
Por outro lado, há abuso quando se envereda pelo crime, por meio de falsidades — documentais ou ideológica, corrupção de agentes públicos ou de testemunhas, adulteração de fatos ou de cenas de crime, etc., além de situações em que se apela para agressões à parte contrária ou para a desqualificação gratuita da testemunha. Estas situações, sem dúvida, merecem punição exemplar.
Num sistema como o norteamericano, plantar uma prova, ou suprimi-la, é o bastante para que o advogado perca a sua licença. Mas isso acontece porque, lá, o cidadão comum ainda respeita as autoridades e as instituições. Afinal, em geral elas se dão ao respeito. No Brasil, tudo fica mais difícil.
7 comentários:
Veja o que o Dr. Ivanildo Alves, em sua coluna POLÍCIA & JUSTIÇA no Amazônia do dia 19/04 escreveu:
"Estratégia. A postura do causídico, independentemente de se discutir o mérito do processo e as razões que o levaram a tomar essa atitude, deve ser interpretada como um ato de defesa, em seu sentido amplo. É bom não esquecer que a procrastinação de qualquer processo não deixa de ser defesa indireta do réu."
Advogado tudo é uma BOSTA. Advogados são o cancro do mundo, o grande empecilho para a realização da justiça. Se não fossem os advogados o mundo seria mais justo. Eles só atrapalham. E então vem a desculpa vazia e esfarrapada: ampla defesa. Merda. Não existe advogado honesto. Advogado é um inferno. Deus me livre dessa raça daninha.
Caro Zahlouth, inicialmente, meu agradecimento por conceder um pouco de seu tempo ao meu blog, decerto indicado pelo Alencar, em relação à postagem sobre a cassação de prefeitos pela JT. Muito me honra tê-los por estas paragens.
No mais, lúcidas as palavras do Ivanildo que, mesmo não sendo um advogado militante, conhece o universo da advocacia, claro.
Anônimo, como advogado, não me aborreço com suas palavras. Minha postagem já parte do pressuposto de que, para o cidadão comum, a nossa imagem não é nada boa. Mas a enorme virulência do seu ataque está tão acima do padrão - que normalmente se resume a ironias e piadas - que deduzo que você tem motivos pessoais para odiar advogados. Alguém pisou feio no seu calo, não.
Seja como for, como somente advogados podem postular em juízo, se um dia você tiver uma (outra) causa, vai ter que engolir um causídico. Não tem jeito. Melhor relaxar e tirar esse ódio todo do coração. Ponha Jesus Cristo na sua vida.
O engraçado é que essas generalizações absurdas podem ser empregadas contra qualquer atividade. Hoje, p. ex., eu citaria os cartórios.
No geral, contudo, eu me refiro assim aos fumantes, dos quais gostaria muito de me ver livre definitivamente.
Boa sorte e cuidado com o coração.
Não percebi nenhum ódio, mas a pura verdade. Ah! os cartórios, Deus me livre. Outra máfia... nem é bom falar. São cartéis que alimentam a corrupção deste país.
Aproveitando a ocasião, espero nunca precisar de advogados.
"Tira esse ódio do teu coração" é uma brincadeira que costumo fazer com amigos, quando alguém faz algum comentário mais enfático. A internet (este veículo do blog, pelo menos) não permite que os tons e ênfases sejam transmitidos, juntamente com as palavras.
Como disse, decerto você tem lá os seus motivos. Não o recrimino, palavra. Só não generalizo, porque conheço centenas de advogados e, em relação a muitos, sei que tipo de pessoas são.
Desejo, de coração, que você nunca precise de um advogado, embora todo mundo acabe precisando. O brasileiro não tem o hábito de fazer profilaxia jurídica, o que previniria muitos problemas.
Ratifico os votos: boa sorte e cuidado com o coração.
Cuidado com o coração? Esse cara parece precisar de médico e não de advogado. Tanto melhor. Os advogados realmente são a personificação do diabo na terra. Alguém duvida?
Meu caro, se você acha que os advogados personificam o diabo na Terra, decerto nunca ouviu falar nos banqueiros e operadores de telemarketing.
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