"O método que escolhi foi intoxicação por monóxido de carbono, é indolor e preserva o corpo intacto, mas demora, e se a pessoa é resgatada antes de morrer fica com graves lesões cerebrais e torna-se um vegetal.
(...) Peço desculpas pela maneira trapaceira com que arranjei meu suicídio. Peço desculpas também pela maneira assustadora com que a notícia chegará a vocês. Foi a maneira que encontrei de garantir um dia inteiro sofinho a fim de conduzir o procedimento da maneira mais segura.
(...) Se conseguirem enxergar além da ótica da paternidade, verão que nada de especial aconteceu no dia de hoje. O mundo continua igual. (...) Espero que não tenha ficado nada pendente."
Nessa linguagem elegante, técnica e que consegue reunir preocupação com os sentimentos dos pais e uma singular frieza, o adolescente Vinícius Gageiro Marques explica aos pais como decidiu se matar. Os motivos já eram conhecidos, porque já havia tentado uma vez. Ele queria curar a dor de sua existência. A existência de um rapaz amado pela família, superdotado, com talento para poesia e música, fluente em idiomas, de excelentes condições financeiras. Pensamos que alguém assim não pode querer morrer. Ele quis. A vida neste mundo não lhe apetecia.
A impressionante história de Vinícius, cujo nome no mundo virtual era Yoñlu (título do CD com suas canções, que já deve ter sido lançado), está contada em detalhes na edição n. 508 da revista Época (11.2.2008). Confesso que fiquei impactado como alguém pode achar tão natural querer morrer. Ou melhor, ser o protagonista da própria morte.
O caso de Vinícius teve repercussão porque, pela primeira vez, que se saiba, um suicídio no Brasil foi acompanhado pela internet. Durante o processo, o rapaz pedia ajuda a seus "amigos" virtuais, para saber como suportar o calor, antes de desmaiar pela inalação do monóxido de carbono. Várias pessoas, deliberadamente, ajudaram-no a morrer, mediante informações de procedimento e apoio moral. Condutas que neste país tipificam o crime de participação em suicídio, mas que pela falta de familiaridade de nossas autoridades com os avanços da tecnologia, não foi sequer investigado. Uma lástima.
O drama de mais um artista que busca na morte a solução para seus insuperáveis males, e morre muito cedo, além de desnudar o vazio crescente na vida dos adolescentes — cada vez mais cercado de coisas, informações e gente, e mesmo assim cada vez mais sem sentido —, desnuda também a perversidade da população que habita a internet, este mesmo espaço onde estamos agora.
Qual o sentido de vir à rede mundial para disseminar o mal? Prevalecer-se da virtualidade para revelar o verdadeiro caráter, fazendo todo tipo de perversidade? E no conceito de perversidade inclua as ofensas verbais, um esforço irracional de provocar infelicidade, de abalar a autoestima, e que segundo instituições internacionais tem sido causa de diversos suicídios, quando o destinatário dos ataques é gente frágil, sem condições de suportar a falta de aceitação.
Cada vez mais a internet se torna o palco shakespeariano dos loucos, onde a vida significa nada.
2 comentários:
acompanho seu blog há algum tempo, professor (sou o Caio da atual DI5TA), mas só resolvi comentar nessa postagem. É do caso desse adolescente que a Nayana citou numa aula sua.
Saíra uma notícia, não lembro em que portal, da morte dele, na época. Eu tinha lido e o caso me foi relembrado na revista Rolling Stone Brasil (que coleciono) do mês passado, que fez uma matéria de oito páginas sobre a história dele e sobre o CD. Pensei até em falar isso na sala...
abraços!
Pois devia ter falado, Caio. Ainda espero ouvir tua voz durante a aula. Experimenta, que podes gostar.
Grato pelas visitas ao blog. Comentários são igualmente bem vindos. Um abraço.
Postar um comentário