Outro dia, num encontro de alguns amigos dos tempos de faculdade, emocionamo-nos com a presença uns dos outros e apreciamos ver o que cada um fez de suas vidas. Entre os presentes, Erika Bechara, uma das pessoas mais especiais que já conheci. Na vida inteira. Hoje, juíza federal do trabalho, realiza um sonho pessoal e cumpre as promessas que fizemos quando adolescentes, sobre o que poderíamos oferecer ao mundo em nossas vidas profissionais.
É graças a pessoas como ela que ainda mantenho minha fé em antigas crenças, inclusive a esperança de que um Poder Judiciário mais humano é possível. E, para tanto, podemos começar dos mais simples passos, como os gestos que ela retrata:
Sento na maior cadeira de uma mesa em formato de letra "T". O blaiser formal destoa da roupa informal das demais pessoas que também estão sentadas à mesa.
Falo, falo, falo, ouço, ouço, ouço e volto a falar novamente.
Lá pelas tantas a trabalhadora, uma jovem senhora com um constante sorriso no rosto, me diz: "— Sabe como é, né, a senhora que é advogada entende o que eu estou falando."
O sorriso no rosto agora é meu: "— Eu não sou advogada."
A mulher se assusta: "— Não? É o quê?".
"— Sou a juíza que vai julgar o seu processo."
"— Minha liiiiiiiinda, vc é Juíza? Não sabia não... me desculpe minha princesa."
Imagine se eu tinha algo a desculpar.
Mas a conversa prossegue e a tal senhora me afirma com convicção que mantinha um relacionamento amoroso com seu patrão.
Pergunto a ele, o patrão que pela simplicidade e pobreza bem poderia ser o reclamante, e, ao me olhar nos olhos diz: "—Ela disse que me amava, e eu tinha que fazer alguma coisa." A conversa dura horas, mas tudo fica resolvido depois.
Na próxima cena, o acordo é feito em menos tempo e o patrão diz que pode pagar tudo em 48 horas. Perfeito. Perfeito seria se o trabalhador não dissesse: "— Não tenho dinheiro nem para voltar para casa que fica numa cidade aqui perto."
Paro tudo. O pagamento tem que ser feito na hora e por sorte o empregador tinha condições de correr ao banco e voltar com o dinheiro nas mãos.
No outro dia, é uma senhora bem acima do peso e com cabelo desgrenhado que chora em minha frente porque não entende o motivo de não ter recebido os R$-400,00 das roupas que lavou por meses.
Na cena do dia seguinte um não sabia ler — o que é muito comum — outro com dedos cortados aguardava enquanto a empresa se defendia dizendo que a culpa do acidente era dele, e mais um aguardava a indenização pela morte de seu pai.
As cenas da vida real dos trabalhadores brasileiros têm atores com rostos marcados pelo tempo de serviço exaustivo diário, expressões aflitas de fome, pés cansados de caminhar, corações desesperançosos.
Trabalhadores que precisam com urgência de uma solução para seus problemas que vão desde alimentar o filho doente a pagar um guarda-roupas em prestações de R$-15,00. Esses atores precisam também ser ouvidos, precisam falar, desabafar, mostrar suas verdades como se ali pudessem gritar para o mundo e pedir socorro, pedir um minuto, um só, de felicidade para transformar o picadeiro onde sobrevivem a duras penas em um palco digno de viver.
Para minha amiga, o meu amor.
3 comentários:
Parabéns à Juíza Érika.
Agora, prof. Yúdice, um recado para você mesmo: está vendo como o direito do trabalho é a mais perfeita tradução da essência humana?
Pois é... E ainda há gente que pensa que a Justiça do Trabalho é alguma coisa de "segunda categoria". Que o processo trabalhista é muito formal (ao contrário, é o processo mais informal, simples, célere e confiável).
Que isto sirva de lição.
Viva a Juíza Érika e todos os seus colegas magistrados trabahistas.
Viva a Justiça do Trabalho, a verdadeira justiça social, humana e JUSTA!
Anônimo, seu anonimato não me permite saber se você é a mesma pessoa do debate sobre depósito recursal. Sendo ou não, vale uma ponderação: não compreendo porque você me manda o recado, como se eu precisasse aprender sobre o valor do Direito do Trabalho.
Se procurar no blog, não encontrará nenhuma afirmação demeritória ao Direito do Trabalho. O que fiz, naquela discussão, foi dizer que eu prefiro o Direito Penal, pelas razões ali expostas. E, prefiro, claro, do contrário não lecionaria isso. Todavia, preferências são, o mais das vezes, decisões inconscientes e até irracionais. Não vejo motivo para crítica nisso.
Discordo de sua afirmação de que "o direito do trabalho é a mais perfeita tradução da essência humana" (!), pela singela razão de que o ser humano não existe para estabelecer contratos de trabalho, nem para vivenciá-los. A relação trabalhista não pode definir a humanidade. Acredito, sem ofensas, que esse tipo de ufanismo serve apenas para glorificar o nosso próprio ramo de trabalho ou de interesse, portanto o que está sendo elogiado não é o Direito do Trabalho em si, mas a si mesmo na relação com ele.
Obviamente, o Direito Penal também não traduz a essência humana. Deus nos livre!! Aliás, o Direito não traduz a essência de coisa alguma. No máximo, a essência do Estado e suas aspirações, nem sempre boas. O que traduz a essência humana são as nossas ações, sejam elas criminosas, sejam as nossas posturas dentro de uma relação trabalhista, conjugal, de amizade, etc.
Seria interessante não hipervalorizar o Direito, porque ele é fruto de homens falhos - em geral, alguns dos mais falhos. Defina-se pelo que a vida é, não pelo que os juristas dizem.
No mais, minha grande amiga merece todo o reconhecimento.
Um abraço de bom domingo.
"Aliás, o Direito não traduz a essência de coisa alguma. No máximo, a essência do Estado e suas aspirações, nem sempre boas. O que traduz a essência humana são as nossas ações, sejam elas criminosas, sejam as nossas posturas dentro de uma relação trabalhista, conjugal, de amizade, etc."
Exatamente, Yúdice.
Quanto à Érika. O sorriso dela já diz tudo, né não?
Postar um comentário