sexta-feira, 20 de outubro de 2006

Odioso desprezo pelo semelhante

De minha janela avisto um cruzamento movimentadíssimo da cidade: avenidas Magalhães Barata e Castelo Branco, um dos principais acessos para o Pronto Socorro do Guamá. Por isso mesmo, diariamente, é grande o número de ambulâncias que passam por ali. Grande também é o tempo que levam para vencer o cruzamento, pois os motoristas ignoram sumariamente o som da sirene e as luzes piscando. Ignoram, no sentido de fazer pouco caso da vida humana.
Estarrece-me ver as ambulâncias tentando avançar no cruzamento, com todo o aparato luminoso-sonoro em funcionamento, mas impedidas de prosseguir, pois os carros e ônibus não param e o motivo é um só: não querem parar.
O Código de Trânsito Brasileiro (Lei n. 9.503, de 1997), em seu art. 29, VII, estabelece que "os veículos destinados a socorro de incêndio e salvamento, os de polícia, os de fiscalização e operação de trânsito e as ambulâncias, além de prioridade de trânsito, gozam de livre circulação, estacionamento e parada, quando em serviço de urgência e devidamente identificados por dispositivos regulamentares de alarme sonoro e iluminação vermelha intermitente", fixando prioridade de passagem em via ou cruzamento.
Outrossim, constitui infração gravíssima, punível com multa, "deixar de dar passagem aos veículos precedidos de batedores, de socorro de incêndio e salvamento, de polícia, de operação e fiscalização de trânsito e às ambulâncias, quando em serviço de urgência e devidamente identificados por dispositivos regulamentados de alarme sonoro e iluminação vermelha intermitentes" (art. 189).
Todo ser humano deveria auxiliar o seu semelhante que sofre, independentemente de prescrições legais. Deveria fazê-lo por solidariedade, pura e simples, atendendo aos comandos de sua consciência. Detesto citar o falso intelectual Caetano Veloso, mas sou obrigado a reconhecer que foi genial ao dizer, em sua canção O estrangeiro, que "o certo é saber que o certo é certo".
Lanço não apenas o meu repto, mas também a minha maldição a cada motorista que dificulta a passagem de veículos de socorro, quando em atividade, torcendo para que um dia — que não tarde! — sejam eles, ou alguém que eles amem, dentro da ambulância imobilizada.
Para algumas pessoas, a educação basta. Outras exigem o exemplo. Muitas, contudo, só aprendem com o sofrimento.

4 comentários:

Ivan Daniel disse...

Por mais cruel que pareça essa dura lição, seria mesmo um sofrimento necessário ao adiantamento moral dessas pessoas.

Citadino Kane disse...

O Caetano é legal!

Yúdice Andrade disse...

Sim, Caetano é legal e a música brasileira deve muito a ele. Adoro o trabalho dele e, como sou apaixonado por construções frasais incomuns, ele é uma referência do gongorismo que tanto aprecio. Só não entendo como ele foi guindado ao posto de um dos maiores intelectuais do Brasil - e ele acredita piamente nisso. Em tudo ele mete. Para quase tudo, é consultado. Nesse particular, ele não passa de um chato.

Anônimo disse...

Por esse e outros motivos é que precisamos ter leis que nos forcem a dar lugar aos mais velhos, grávidas e deficientes físicos em ônibus, filas e etc., quando a educação e solidariedade deveria ser suficiente para que fizéssemos de boa vontade.