Nicolau dos Santos Neto já foi presidente do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo, na época em que os membros dessa Justiça especializada ainda eram Juízes do Trabalho e Juízes Togados — antes, portanto, que a vaidade, o pecado favorito do Diabo, mudasse a nomenclatura para Juízes Federais do Trabalho e Desembargadores Federais do Trabalho. Também era presidente da comissão de obras daquela corte e, nessa condição, conduziu a construção do Fórum Trabalhista da capital paulista: uma obra impressionante, que vi pessoalmente — dois espigões imensos, para abrigar as dezenas de Varas Trabalhistas (que hoje somam nada menos que 90).
Como o povo vive preocupado com a turma dos Poderes Executivo e Legislativo, que são eleitos, e se esquecem de marcar em cima do Judiciário, o então juiz Nicolau teve tranquilidade para perpetrar todo tipo de falseta, superfaturar a obra e desviar, para o seu próprio bolso, a bagatela de R$ 170 milhões de reais (que se saiba). Adquiriu imóveis e carrões no exterior, deixando-se fotografar ao lado deles com a maior cara de homem vitorioso. Um delinquente completo, com trânsito em julgado.
Num raríssimo exemplo de cidadão poderoso que é desmascarado, preso e efetivamente julgado, Nicolau foi condenado a 26 anos e 6 meses de reclusão, por vários crimes. Aliás, ele é personagem de um fato curioso da história judiciária brasileira: por ser maior de 70 anos, a prescrição de seus crimes ocorreria na metade do prazo normal. O Tribunal Regional Federal da 3ª Região, provavelmente pressionado pela imprensa, numa manobra que acredito inédita no país, deu um jeito de levar o processo a julgamento no dia 3 de maio do ano passado, véspera do dia em que Nicolau seria beneficiado pela prescrição. Se desse meia noite, o réu estaria livre. Então os desembargadores federais vararam a noite e garantiram a condenação por volta das 22 horas, impedindo a prescrição.
Uma manobra, sem dúvida, mas justa. Afinal, o Judiciário deve assegurar a eficácia de seus julgamentos.
A história de Nicolau daria um filme. Quando seu castelo ruiu, fugiu do país e acabou na Tailândia, país que não mantém tratado de extradição com o Brasil. Então a Polícia Federal botou agentes na cola de seus familiares, no Brasil, diuturnamente. Psicologicamente afetados com a situação constrangedora, consta que algum de seus filhos chegou a pedir ao pai que se entregasse. E ele se entregou.
Repatriado e preso, começou uma novela de morde e assopra. Ora Nicolau era mandado à prisão, para contentar a imprensa, ora ganhava prisão domiciliar (por conta de sua idade e estado de saúde), ora acabava num hospital. Uma batalha entre bons advogados e instâncias judiciárias, com a imprensa jogando água na fervura.
Condenado, a patuscada não acabou. Por volta das 17h30 de ontem, Nicolau foi recolhido à carceragem da Polícia Federal na Lapa, Zona Oeste de São Paulo, de onde deve ser transferido para uma penitenciária estadual, a fim de cumprir sua pena em regime fechado. Mas seus 78 anos e sua saúde ainda lhe tirarão dessa.
Este é apenas um relato dos fatos. Não sou jornalista e, por isso, minha intenção aqui não é coonestar a opinião pública para defender o endurecimento das leis penais. Como professor de direito penal, minha responsabilidade vai em sentido contrário. E vai, também, pela defesa da dignidade humana, daí que me refiro a Nicolau dos Santos Neto, e não a "Juiz Lalau", como faz toda a imprensa. "Lalau" sempre foi gíria para ladrão e caiu como uma luva na conta de trocadilho do nome desse criminoso. "Lalau" está para juiz ladrão, hoje, como Gillette está para lâmina de barbear ou Bombril para esponja de aço.
Que fique claro: meu desejo é que esse mau cidadão, esse delinquente perigoso, seja punido na medida do crime que perpetrou. Porém, o mais importante, nesse caso, não é a prisão e sim a restituição do dinheiro desviado aos cofres públicos. Este é o maior bem que poderíamos desejar, no caso. E ele não ocorreu. Nicolau pode até não usufruir mais do que surrupiou. Todavia, quando morrer, que patrimônio seus descendentes herdarão? O nosso?
Se for assim, o crime compensou.
Atualizado em 30.1.2007, a partir das 8h29:
Como eu disse, Nicolau está de volta à prisão domiciliar desde ontem, graças a uma liminar concedida pela Desembargadora Suzana Camargo, do Tribunal Regional Federal da 3ª Região.
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