Uma mulher de 20 anos foi presa no domingo (21) suspeita de ter matado o filho após o parto, em Simonésia (MG). O bebê foi encontrado enterrado no quintal da casa dela. Em depoimento à Polícia Civil, ela teria admitido tê-lo estrangulado.De acordo com a PM (Polícia Militar), a moça — grávida de nove meses — pediu socorro a uma vizinha dizendo que havia sofrido uma queda e que havia abortado. Ela teria contado à mulher que o bebê havia descido pelo vaso sanitário e morrido. Com hemorragia, ela foi levada a um hospital da região e internada.Desconfiados, os vizinhos passaram a procurar pelo corpo da criança. Um deles percebeu que a terra do quintal da casa estava revirada e, ao cavar, encontrou o corpo do bebê.Liberada do hospital, a moça foi levada à delegacia e presa em flagrante. Em depoimento, ela teria dito que estrangulou o filho. Entretanto, ainda segundo a PM, peritos concluíram que o recém-nascido sofreu cortes nas costas, na boca e na testa e teve o crânio esmagado.
Um dos crimes mais difíceis de demonstrar, na prática, é o de infanticídio, definido pelo art. 123 do Código Penal como "matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após".
Digo difícil de demonstrar porque não há consenso em torno do chamado "estado puerperal", sendo forte entre a classe médica a convicção de que o mesmo simplesmente não existe. O que existe são alterações psíquicas ou comportamentais de diferentes etiologias, o que torna inviável reuni-las sob uma mesma classificação. Assim, caso um crime como esse ocorra, deve-se investigar que tipo particular de anomalia acometeu a parturiente. Se houver prejuízos às capacidades cognitivas da mulher, ela pode ser excluída de responsabilidade penal, como qualquer pessoa, em qualquer delito (inimputabilidade). Do contrário, poderia responder pelo fato, tornando-se passível de sofrer a pena, total ou reduzida.
O problema é que a lei penal, como está redigida desde 1940, faz com que a morte do filho, pela própria mãe, por qualquer motivo relacionável ao parto, caracterize infanticídio, cuja pena varia de 2 a 6 anos de detenção, ao passo que o homicídio simples tem pena de 6 a 20 anos de reclusão. No caso de morte de um recém-nascido, é provável a caracterização de homicídio qualificado, com pena de 12 a 30 anos de reclusão.
Portanto, a norma está divorciada da realidade, principalmente por basear um tipo penal (cujo teor não deveria dar margem a dúvidas) em um dado não reconhecido pela própria Medicina. Autores mais cuidadosos não confundem o controverso estado puerperal com puerpério, que é o processo por meio do qual todas as parturientes passam e que corresponde ao retorno do organismo ao estado não gravídico — portanto, um processo normal, que em si mesmo não provoca danos nem detona delitos.
Em síntese, o infanticídio, como se encontra, deveria ser abolido da legislação penal. Bastaria a previsão do homicídio e a dosagem da pena seria feita de acordo com a condição pessoal da agente. Isso evitaria que casos merecedores do rigor de um homicídio fossem tratados com a brandura do infanticídio, simplesmente porque a maioria dos operadores do Direito é despreparada para enfrentar questões técnicas de outras ciências, por exemplo a Medicina, e adotarão o delictum exceptum simplesmente porque quem matou foi a mãe, pouco após o parto.
Quanto ao caso tratado na reportagem, neste momento não se pode afirmar se houve um infanticídio, já que se desconhece a motivação da agente. Mas é possível, especialmente se a acusada, que é jovem, for carente de suporte familiar, não tiver acesso à rede de saúde pública e enfrentou uma gestação desassistida. As possíveis causae mortis — estrangulamento ou esmagamento do crânio — estão de acordo com os casos de infanticídio, nos quais a agente se beneficia da fragilidade da vítima.
5 comentários:
Meu caro Yúdice.
Do ponto de vista médico (Psiquiatria) talvez a controvérsia seja mais no tocante a classificação e inclusão no CID 10. Mas que o fenômeno psíquico largamente descrito no puerpério existe, não parece existir dúvida. Existem graduações neste distúrbio e a controvérsia médica maior está na denominação destas graduações, o que pode causar muita confusão. E podem acontecer desde leves alterações do humor até o franco delírio e pensamentos suicidas.
Reconheço que isso certamente acaba trazendo seríssimos problemas de ordem legal tendo em vista que, pode ser um argumento forte em favor de partes. Cabe uma pormenorizada análise caso-a-caso afim de dirimir as dúvidas e definir imputabilidade. Sinceramente, não tenho a menor idéia de como fazer para não inocentar quem de fato usa deste diagnóstico para efetivar sua defesa, na vigência de um crime bárbaro, efetivado em pleno gozo das faculdades mentais. Até mesmo por que há descrições de que o período de acometimento psíquico puerperal pode se extender até 6 meses após o parto. Caberia um cruzamento de informações médico-policiais afim de saber se crimes são cometidos movidos pelo "delírio de uma depressão pós parto".
Lembro que nem todas as puérperas a apresentam. A incidência vai de 10 a 15%.
Realmente, um grande problema que não sei como acrescentar algo a mais do que vc já disse.
Assim o mestre não deixa nada para comentar.
é muito bom o seu Blog mesmo... Estarei adicionando nos favoritos do meu... quando sobrar um tempinho de uma olha lá... www.brasilero.zip.net
Barreto, tu acrescentaste e muito!
Fred, há muito mais a dizer. Fica à vontade.
Leandro, obrigado pela atenção ao meu blog. Já fui conhecer o seu. Então estou sendo lido em Sinop? Bacana.
Estou escrevendo um trabalho científico sobre o infanticídio, e infelizmente diante de todas as doutrinas em que pesquisei, diante dos vários casos por mim acompanhados, concordo com sua posição e a do Perito médico-legal Genival Veloso de França,que diz que o artigo 123 do CP apenas beneficia aquelas mulheres que dão fim a vida de seus filhos por motivos egoístas, pois se ficasse comprovado a síndrome da psicose puerperal ela se enquadraria no caput do art. 26 do CP e caso não houvesse a comprovação dessa, se enquadraria no art. 121 do CP e sua pena aplicada de acordo com sua culpabilidade, uma lástima ver mulheres darem fim a vida de seus filhos pelo mais tolos motivos, desrespeitando totalmente o direito à vida dos inocentes que elas mesmas geraram.
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