É muito prazeroso ver, nas telas, aquela história que, um dia, você adorou ler. Quando lemos, criamos imagens mentais, vemos as cenas em nossa mente de um jeito muito pessoal. Os personagens têm as caras que lhes damos e até mesmo suas atitudes são filtradas de acordo com nossas próprias impressões, nem sempre de acordo com o que imaginara o escritor. É valioso, por isso, ver um filme bem adaptado da literatura, porque se supõe que houve toda uma consultoria para se compreender o pensamento do autor, a fim de que roteirista e diretor possam depois imprimir sua marca pessoal na obra. E outros artistas participam da composição, através da fotografia, da cenografia, do figurino, da música e de outros elementos, especialmente a interpretação dos atores.
Naturalmente, há muitos exemplos de adaptações cinematográficas tenebrosas, merecedoras de esquecimento. No entanto, mesmo que aprovemos o resultado, na quase totalidade dos casos, acabamos com a sensação de que o filme é bom, mas o livro é melhor. Às vezes, muito melhor.
O livro se beneficia da possibilidade do escritor de narrar muitos fatos mais, revelar os pensamentos dos personagens, descer a inúmeros detalhes que o público normalmente gosta de saber. O cinema impõe as suas limitações - de orçamento, de tempo, de interesses comerciais, de limitações da equipe. Raras vezes vi um filme que considerasse melhor do que a obra literária que o baseou. Cito aqui três casos:
O livro se beneficia da possibilidade do escritor de narrar muitos fatos mais, revelar os pensamentos dos personagens, descer a inúmeros detalhes que o público normalmente gosta de saber. O cinema impõe as suas limitações - de orçamento, de tempo, de interesses comerciais, de limitações da equipe. Raras vezes vi um filme que considerasse melhor do que a obra literária que o baseou. Cito aqui três casos:
Ligações perigosas
Pierre-Ambroise-François Choderlos de Laclos (Amiens, 18.10.1741 — Taranto, 5.9.1803) pode ser considerado um precursor da imprensa moderna. Não é um elogio. Em 1782, ele lançou um romance epistolar contando as sórdidas tramas de um tal Visconde de Valmont e sua parceira de crimes, Marquesa de Merteuil. Nobres, faziam jogos de sedução para desgraçar as vidas das pessoas. O livro tem como mérito retratar personagens de forma realista, menos romântica, o que ainda era pouco comum. O problema é que Les liaisons dangereuses é um factoide: Laclos jurou de pés juntos, até morrer, que se tratava de uma história verídica, da qual tomara conhecimento porque, de algum modo, todas as muitas cartas escritas pelos protagonistas acabaram em suas mãos. Ele as compilara sob a forma de um romance, como o declara logo abaixo do título. Todavia, ninguém jamais conseguiu aferir a veracidade dos fatos ou sequer a existência das pessoas em questão.
Em 1959, o cineasta fancês Roger Vadim levou às telas uma primeira versão do romance, mas a que me interessa é a produção de Stephen Frears (1988), com Glenn Close arrebentando no papel da marquesa; John Malkovich como o pérfido visconde e a bela Michelle Pfeiffer como a desventurada Madame de Tourvel. O elenco ainda conta com Uma Thurman e Keanu Reeves. O roteiro não foi adaptado diretamente do romance, mas de uma peça do famoso Cristopher Hampton e acabou laureado com três Oscars. O filme, simplesmente maravilhoso, ganha ainda mais vida com a poderosa trilha sonora (uma de minhas favoritas) composta por George Fenton, sobre temas da música barroca, notadamente Bach e Händel, inclusa a ária Ombra mai fù, da ópera Xerxes (interpretada por um brasileiro: Paulo Abel do Nascimento, que aparece no filme e sobre quem pretendo escrever outra hora).
Frears antecipou a estreia de sua obra para passar a perna em outro cineasta famoso, Milos Forman, que no ano seguinte lançou a sua própria versão do mesmo romance: Valmont. Interessante, mas que não chega aos pés do concorrente. Por fim, em 1999, um tal de Roger Kumble lançou uma versão 1990 da obra, ambientada em Nova York, com um elenco de patricinhas famosas na época. Chamou-se, no Brasil, Segundas intenções, mas isso já não conta.
Fim de caso
Sobre este, escrevi uma postagem em outubro passado. Clique aqui para ver minha opinião e uma oportuna contribuição do comentarista Francisco Rocha Júnior. Faço questão de destacar que, em relação a esta obra, faço uma certa concessão às paixões gerais. Afinal, trata-se de uma história de amor. Pessoalmente, detesto finais felizes, mas algumas vezes acabo torcendo pelos personagens. O romance de Henry Graham Greene (Berkhamsted, 2.10.1904 — Vevey, 3.4.1991) é mais duro com os protagonistas, evidenciando compromissos morais fortes o bastante para que os apaixonados não possam ficar juntos. O filme The end of the affair, mesmo título do romance, que Neil Jordan lançou em 1999, procura dar uma chance, ainda que breve, aos apaixonados. Solução para agradar o público que, curiosamente, agradou também a mim. O elenco tem Ralph Fiennes e Stephen Rea, mas quem interessa mesmo é Julianne Moore, liiiiiiiiiiinda e elegante. Dá para entender de onde vem uma paixão tão avassaladora.
O jardineiro fiel
Também já foi objeto de postagem, em dezembro. Em The constant gardener (2000), John le Carré, pseudônimo de David John Moore Cornwell (Poole, 19.10.1931) narra a luta do diplomata de segundo escalão Justin Quayle para elucidar o brutal assassinato de sua esposa Tessa. Enquanto todos censuram o comportamento da vítima, tratada como uma espécie de carreirista social, que teria sido morta por um amante, Quayle descobre que por trás de tudo está a indústria farmacêutica (odiosa no mundo real), usando a população miserável do Quênia como cobaias humanas. Le Carré é famoso como autor de romances policiais, mas sua vigorosa estória é contada de modo um pouco insosso. A narrativa não chega a empolgar. Meu interesse permaneceu vivo porque já vira o filme, lançado em 2005. O brasileiro Fernando Meirelles, competentíssimo, dirige o mesmo Ralph Fiennes e Rachel Weisz num filme belíssimo. Obrigatório, até.
Qual a sua sugestão de um bom filme, ainda melhor do que o bom romance que o inspirou?
Um ótimo dia.
3 comentários:
Yudice,
Vou de Vinhas da Ira de John Ford, inspirado no romance homonimo de John Steinbeck! Um grande abraco!
Sugestão anotada, David. Já ouvira falar do livro, mas desconhecia a versão cinematográfica. Muito obrigado.
Um dos filmes que me surpreendeu por conseguir se mostrar à altura do livro foi O Senhor dos Anéis. Mesmo com os cortes, conseguiu extrair de mim todas as sensações que tive ao ler o livro. Acho que isso conta de algo, não?
[]s
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