terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Culto ao velho

Já dizia Zeca Baleiro que "é mais fácil mimeografar o passado que imprimir o futuro"1. Eu e minha esposa temos constatado isso nas inevitáveis conversas sobre filhos e a educação que queremos para eles, que hoje temos com pessoas variadas. Polyana considera curioso como as pessoas são tão interessadas por artefatos tecnológicos os mais diversos, coisas para encher os nossos bolsos, as nossas casas e muitas vezes só mesmo para ter, porque acabam nem sendo utilizadas , mas não demonstram o mesmo interesse em mudanças quando o assunto é comportamento e, notadamente, educação familiar.
O que mais observamos é que as pessoas continuam educando seus filhos do mesmo modo como foram educadas, num passado mais ou menos distante mas, com certeza, muito diferente do nosso presente. Melhor dizendo: repetir, como pais, as experiências que tivemos como filhos parece ser uma inclinação inata das pessoas, realizada inconscientemente. E quando chamadas a pensar sobre isso, mantêm o mesmo comportamento, porque concluem que a educação recebida foi, senão a melhor, pelo menos boa o suficiente para perdurar como modelo. Nesse ponto, são useiras e vezeiras justificativas como "eu apanhei e não morri", "meu pai era terrível com os filhos e nenhum de nós ficou traumatizado por isso", ou conclusões simplórias relacionadas ao fato de que chegamos à idade adulta, somos sãos (até onde se sabe), socialmente produtivos, etc.
Eu também recebi uma educação rigorosa em termos disciplinares, apanhei (inclusive sem merecer), tive que decorar tabuada (sob ameaça de palmatória), aprendi que os professores eram semideuses que jamais podiam ser questionados, estudei Educação Moral e Cívica, fui a bailes infantis de carnaval porque minha mãe me obrigava a ir e a gostar (e eu detestava) e muitas outras coisas que, bem, me fazem chegar aqui e dizer: não morri, gozo de boa saúde, sou socialmente produtivo e outros quetais. Nem por isso, todavia, limito-me a repetir sem criticidade alguma que deu certo comigo (se é que deu...) e que farei o mesmo com Júlia. O parâmetro para definir a educação de uma criança não pode ser a sua expectativa de vida! Educação não pode ser o reverso do conceito de maus tratos.
Uma amiga, mãe, disse certa vez que, se nos limitarmos a repetir os hábitos e referenciais das gerações anteriores, como poderá a educação evoluir? Sábia provocação, que parte da premissa indesmentível de que o mundo mudou demais, para o bem e para o mal. Boa parte das fórmulas antigas não funciona mais. Simples assim. Antes, podia-se trancar uma criança no quarto, se fizesse tolice, deixando-a isolada do mundo. Hoje, há meios de comunicação altamente eficientes, que inviabilizam boa parte das restrições. Mudou o que se lê, o que se vê, o que se escuta e o que se aprende na escola. Mudaram até a legislação e a religião. As carolas católicas de ontem, sempre tão sisudas e cheias de discursos sobre moral e bons costumes, hoje chacoalham os esqueletos ao som do heavy metal gospel, do reggae gospel, do axé gospel e por aí vai.
Sou a favor da disciplina rigorosa com crianças, tanto quanto sou favorável à transparência, honestidade e coerência. Abolir o "faça o que eu digo, mas não o que eu faço", expressão mais pura da vilania e do charlatanismo domésticos. Como já escrevi aqui em outras ocasiões, acho patética e altamente perniciosa essa babaquice de trauma, que algum idiota mal intencionado inventou após ler algumas orelhas de livros sobre pedagogia. Mas entendo que, gostando ou não, precisamos estar preparados para uma relação baseada no diálogo e na negociação. Também repudio a prática, hoje predominante, de compensar com bens materiais e libertinagem a ausência física e, pior, a falta de disponibilidade emocional para os filhos. E, felizmente, acredito estar apto a escapar dessa armadilha.
Educar nunca foi fácil e hoje está muito mais difícil. Mas acredito que a sobrevivência de nossos antepassados não prova que seus pais tenham sido bem sucedidos. Fosse isso verdade, nossas sociedades não permaneceriam tão atrasadas em muitos aspectos às vezes, ainda medievais. Não seriam os absurdamente frequentes abusos sexuais intrafamiliares exemplos atávicos do direito de vida e morte que os homens antigos possuíam sobre suas mulheres, filhos e agregados? Uma espécie de direito de prima noctes do medievo, numa inaceitável nova roupagem?
Acreditando que experiente não é a pessoa que faz a mesma coisa por muito tempo, e sim a que experimenta, para sempre procurar um jeito de aprimorar-se, vamos experimentar, guiados pela boa fé e bom senso. Educar se aprende educando. Vamos errar muito mas, se Deus quiser, havemos de acertar mais.

1 Versos da canção "Minha casa", do CD Líricas, o melhor do Baleiro.

6 comentários:

Anônimo disse...

Excelente!

Alexandre

Ana Miranda disse...

Menino, se há 26 anos, eu já achava complicadíssimo educar meu filho, hoje só posso desejar boa sorte aos novos papais, pois concordo plenamente: NÃO É FÁCIL!!!
Eu lembro bem da diferença de opiniões entre mim e meu marido.
Mas nunca discutíamos essas diferenças na frente das crianças, ele sempre achava que eu era rígida demais, mas só me cobrava isso qdo estávamos sós.
Ele era contra eu dar bronca na hora da comida, mas não tinha como ensinar meus filhos a comerem direito na hora do banho, ou da brincadeira, tinha que ser na hora em que eles estivessem comendo.
Hoje, acho que a menor das preocupações dos pais é se seus filhos comem bem ou não...
Ufa, ainda bem que já passei dessa fase. E com orgulho, e sem falsa modéstia, fizemos um excelente trabalho!!! Eh...eh...eh...

Yúdice Andrade disse...

Obrigado, Alexandre.

Achei engraçado esse teu sofrimento em confessar a leitura de "Caras", Ana. Relaxa. Sabes que uma psicóloga me disse que, certa vez, decidiu romper com a falta de nível no consultório e mandou jogar fora todas as revistas de fofoca e afins. Substituiu-as por revistas de nível. Resultado? Protestos generalizados dos pacientes.
As "Caras" da vida voltaram e estão lá até hoje.

Anônimo disse...

Disponha, meu caro amigo. A propósito, você já pensou em ser um Educador? Seus pensamentos me fazem lembrar de Içami Tiba. Nosso futuro precisa fervorosamente de pessoas assim.

Alexandre

Luiza Montenegro Duarte disse...

Tem mais um aspecto que os pais também não se atualizaram/ modernizaram: a criação de meninas. Incrível que, por mais que que o discurso politicamente correto seja recorrente, o machismo prevalece em quase todos os lares. Muito difícil uma família em que meninos e meninas sejam criados da mesma forma, como, na minha opinião, deve ser. Sou a única mulher, de três filhos, e tive que me impor em vários momentos, o que resultou em várias e várias brigas (e olha que por aqui as coisas nem são das mais rígidas...)

Yúdice Andrade disse...

Tento ser um educador, Alexandre, mas restrito à área do Direito Penal. Não tenho, nem de longe, o mínimo do preparo que seria necessário para levar adiante a tua sugestão. Agradeço a avaliação generosa, mas por enquanto não dá. Gosto de estudar sobre o assunto, mas sou apenas isto: um interessado.

Luiza, querida, a educação de meninas continua sendo um desafio ainda maior. A questão é tão particular e instigante que pede uma postagem específica, sobre a qual venho matutando há mais de um ano. Ainda não organizei minhas ideias a respeito.
Há no blog, contudo, rudimentos sobre minhas preocupações quanto a ser pai de uma menina, neste mundinho de hoje.
Voltaremos a conversar a respeito.