segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Menos pena de morte na China

Todos sabemos que a China é a menos democrática das nações mais ricas do mundo. O governo controla a imprensa e a Internet, interfere na vida privada dos chineses, faz vista grossa para práticas exploratórias do trabalho humano que dão alta lucratividade aos seus produtos no mundo, mantém a grande maioria da população em situação de pobreza e até de miséria, sustenta um Estado de polícia respaldado por propaganda ideológica e, como em qualquer nação semelhante, possui um ordenamento jurídico draconiano.
Atualmente, 68 tipos penais existentes na legislação chinesa podem ser punidos com a pena de morte. Na prática, organizações de defesa dos direitos humanos afirmam que se trata do país que mais executa condenados, porém os números são desconhecidos, já que o governo faz questão de esconder do mundo, e dos próprios chineses, a extensão e a natureza de suas ações repressivas. Virou folclore a história de que o governo chinês fuzilava o condenado e cobrava de sua família o valor da bala gasta com ele. E muito idiota por estas bandas sonhava ver modelo semelhante implantado no Brasil.
Agora, um projeto de lei pretende reduzir o número de crimes puníveis com a pena capital para 55. O motivo da provável mudança não foi declarado, mas não é difícil deduzi-lo. O governo chinês decidiu subscrever tratados internacionais que mandam as nações se esforçar por eliminar a pena de morte? Trata-se de um inesperado surto de humanitarismo?
Nada disso. Os treze delitos que podem escapar da pena capital são todos de natureza econômica. Crimes, portanto, passíveis de cometimento por pessoas em situação privilegiada. Ou você acha que são os pobretões que praticam tráfico de relíquias culturais, metais preciosos e animais raros? Quem é que frauda notas fiscais e títulos de crédito? Quem é que sonega impostos? Quem possui renda, claro!
Passei as duas primeiras semanas de aula tentando convencer as minhas novas turmas de Direito Penal I de que, seja onde for, o sistema de justiça criminal existe para criminalizar os mais vulneráveis — via de regra, os mais pobres. E aí está a China mostrando que a teoria se confirma na prática. Para empresário pilantra, cadeia. Para o ladrãozinho de rua, morte.
É a igualdade made in China. Mas a nossa não é muito melhor.

4 comentários:

Luiza Montenegro Duarte disse...

Infelizmente, a nossa não é nem um pouco melhor, nesse quesito específico, como bem mostra o caso Pimenta Neves, comentado pelo senhor há alguns dias.
Há ainda alguma esperança quando a imprensa sensacionalista pressiona e há comoção nacional. De resto, é impunidade na certa.

Yúdice Andrade disse...

A depender do réu, minha querida. A depender do réu. Em condições normais de temperatura e pressão, a prisão vem a jato e a condenação, inclemente.

Luiza Montenegro Duarte disse...

Ah, desculpe se não me fiz entender. Refiro-me aos réus ricos, que são o objeto principal do texto. Para os pobres, a prisão vem antes da condenação, com certeza.

Abraços.

Yúdice Andrade disse...

Estamos plenamente de acordo, minha querida.