Sou um grande entusiasta dos trabalhos de conclusão de curso*. Não consigo conceber uma instituição de ensino superior que se atreva a conceder o grau para um acadêmico que não haja produzido ao menos um trabalho científico. Aliás, um único trabalho já basta para reconhecermos de que algo anda mal na educação. Produzir pelo menos alguns ensaios durante o curso de graduação, despretensiosos que fossem, mas sob a clara pretensão de um aprofundamento da aprendizagem, seria o mínimo que poderíamos esperar. Infelizmente, a situação brasileira em matéria de educação é tão ruim que o corpo discente, em geral, sequer consegue perceber a importância da produção científica. A esmagadora maioria dos alunos vê o TCC apenas como um aborrecimento sem o qual não alcançam a integralização curricular.
É uma lástima que um acadêmico chegue ao final de seu curso pensando dessa forma. Escutar afirmações nesse sentido me tira tanto as forças que chega a me provocar um sentimento de desistência em relação ao jovem que almeja bacharelar-se. Mas temos que seguir adiante, tentando convencer o indigitado de que o TCC não é apenas um volume a proliferar traças em uma estante da biblioteca. No mínimo, procuro utilizar alguns em sala de aula e nas orientações que estejam sob minha responsabilidade. Três meses atrás, p. ex., meus alunos de Penal IV que precisavam apresentar um seminário sobre tráfico de pessoas para fins de exploração sexual voltaram a utilizar uma monografia que orientei em 2004, da acadêmica Rafaelle Rolim Sales Fernandes e que mais de uma vez me foi útil. E neste final de semana, examinando projetos de pesquisa que devo orientar para a próxima turma de colandos, anotei em mais de um referências a trabalhos que lhes podem ser úteis, alguns dos quais não me tiveram como orientador nem sequer como avaliador, mas de cuja existência tomei conhecimento em uma de minhas incertas por nosso acervo de TC.
Quando alunos me procuram com aquele papo de me-ajude-a-encontar-um-tema-pois-não-sei-sobre-o-que-escrever, uma de minhas sugestões é, justamente, que procurem saber o que as gerações anteriores produziram. Afinal, até para perguntar é preciso ter algum conhecimento sobre o objeto da pergunta.
Sempre afirmei que fazer um curso universitário, no fundo, é fácil. Ele é basicamente uma rotina de aulas e provas (há também os trabalhos, mas estes são um instrumento frequentemente negligenciado, inclusive pelos professores) que, com um mínimo de horas de estudo, pode-se vencer. A produção do trabalho científico, portanto, surge como uma oportunidade de ouro para que o acadêmico mostre seu brilho próprio, sua reflexão, sua contribuição à ciência e à cultura. Ele deveria agarrar-se a essa oportunidade com paixão.
Hoje à noite terei meu horário para orientação de TCC. O tempo urge. Mas a minha expectativa é que tenha bons frutos a comemorar, por ocasião das bancas.
Presumo que este seja um assunto sobre o qual voltarei a escrever.
* Na instituição onde leciono, há algum tempo se modificou a nomenclatura para "trabalho de curso" (TC), pois o regulamento previa a possibilidade de realizar a obra — sob as modalidades monografia, artigo, portifólio, estudo de caso e produto — ao longo da graduação, não necessariamente no final, embora fosse fixado um período letivo antes do qual o aluno não pudesse defendê-la, a fim de haver tempo para maior reflexão. Contudo, neste artigo utilizo a expressão "trabalho de conclusão de curso" e a sigla TCC, por serem amplamente empregadas nos meios acadêmicos.
4 comentários:
Caro Yúdice,
Sempre que um aluno me pede ajuda no sentido me-ajude-a-encontar-um-tema-pois-não-sei-sobre-o-que-escrever, digo que busque algo com que tenha contato prático ou algo que esteja acostumado a estudar com gosto (se for um tema de cunho exclusivamente teórico). Também faço uma afirmação complementar, que nem sempre é bem compreendida pelos alunos: “esse é o SEU momento de brilhar”.
Creio que em todos os períodos da formação superior os alunos são protagonistas, mas é no TCC que eles têm condições de expor livremente (ressalvadas as normas metodológicas) todas as suas ideias. Fico igualmente triste quando vejo alunos desestimulados a escrever o TCC, e por isso começo a conscientizar os que por mim passam desde os primeiros semestres a respeito da importância desse momento.
Yúdice a cada dia que passa, admiro mais o seu desempenho como prefessor!!!
Você fez-me lembrar da monografia do meu filho. Ele fez jornalismo e sua monografia foi sobre o "Cinema da Boca do Lixo".
Sua tese ficou tão boa que foi parar em um site aqui de Juiz de Fora. Com direito a foto dele e tudo.
Ficamos muito orgulhosos dele.
Concordo quando você diz: "A produção do trabalho científico, portanto, surge como uma oportunidade de ouro para que o acadêmico mostre seu brilho próprio, sua reflexão, sua contribuição à ciência e à cultura. Ele deveria agarrar-se a essa oportunidade com paixão."
Essa paixão é a que sinto em você como professor.
Parabéns por sua atitude!!!
Também recomendo que eles busquem os seus interesses pessoais, Arthur. Ou suas experiências, seus estágios, outras formações, etc. Ontem mesmo disse a uma de minhas orientandas, cujo projeto estava muito genérico: defina os seus objetivos. Não quero induzi-los, porque isso faria o trabalho ser meu e não dela. E traria o risco de, amanhã, ela desgostar do trabalho que deveria ser um prazer, por não se reconhecer nele.
É, Ana, minha relação com a docência é mesmo de paixão. Mas, quanto aos méritos, devo admitir que trabalho com tentativa e erro, mas com boa fé. Juristas não recebem formação pedagógica. Quando começamos a lecionar, vamos na cara e na coragem. Por isso, sempre procuro a coordenação pedagógica e converso com os colegas e com os próprios alunos.
Pois é primo,
Estou nessa fase e confesso ter várias frustações. Primeiro pelo formalismo exagerado que deixa o trabalho a té certo ponto bonito esteticamente, mas me passa a sensação de cerceamento de liberdade criativa. O aluno nada cria, apenas copia.
E isso me deixa profundamente desmotivado, apesar de ter escolhido um tema incomum e pelo qual tenho muito gosto.
Eu realmente queria poder criar, escrever, elaborar teses, mas sei que isto só é possível em "instâncias superiores" do ensino, como Mestrado e Doutorado.
Eis a minha posição.
Grande Abraço
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