Na semana passada, comecei a trabalhar com duas turmas de Direito Penal I, o começo de tudo, que sempre me provoca uma certa ansiedade. Encontrar o tom certo para me comunicar com um novo grupo de alunos é sempre uma tarefa complicada, ainda mais porque a minha disciplina mexe demais com os nervos de quem está na academia e, mais ainda, com os de quem está fora. Além disso, ela é objeto permanente de campanhas irresponsáveis, onde se destaca uma atuação quase criminosa de políticos e da mídia. Assim, nas primeiras aulas, tento apresentar o Direito Penal com os pés fincados na realidade e, para tanto, forçoso é desvelar como aqueles agentes se promovem através de certos discursos enganosos, cínicos ou, como prefiro dizer, emburrecedores.
A intenção é demonstrar como a opinião pública é manipulada a partir de informações inverídicas, quando não absoluta e propositalmente deturpadas. Demonstrar que toda prática jurídica é também — como leciona Eugenio Raúl Zaffaroni, um dos maiores penalistas da atualidade — um ato de comunicação, porque o fato importa menos do que o modo como ele é comunicado às pessoas.
Fiz algumas perguntas, explorando aspectos polêmicos que desembocam em resultados previsíveis. Perguntei, p. ex., quem era a favor das saídas temporárias para presidiários. Muita gente disse que não. Escolhi uma aluna contrária e perguntei o motivo. Ela me respondeu que "a maioria não volta para a prisão". Era exatamente a resposta que eu imaginava. Perguntei se ela conhecia números concretos acerca das evasões. Não conhecia. Então como podia afirmar que a maioria dos beneficiados não retorna ao cárcere? Simples: porque a imprensa repete isso todo dia. Com base em quê, não sabemos. Aliás, sabemos. Segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional, da última vez que consultei, as evasões giram em torno de 11% no país inteiro (há Estados, como São Paulo, onde o índice é bem maior). E mesmo sendo um índice preocupante, a Matemática mandou avisar que 11% não é "maioria".
Esta longa introdução é para externar o meu pesar e o meu cansaço diante da falta de discernimento de pessoas como o autor de uma carta publicada na imprensa comum, dizendo-se "estupefato" com a nossa legislação (pergunta 1: ele conhece a nossa legislação?), especialmente o Estatuto da Criança e do Adolescente, e reclama do Congresso Nacional muitas mudanças "para melhorar nossa segurança" (pergunta 2: leis mais severas garantem maior segurança pública?). Enveredando pelo vetusto argumento de que aos 16 anos o jovem já pode votar, afirma que nessas horas ele "tem plena consciência do que é bom ou ruim", mas na hora em que comete um crime, "ao serem detidos, são tratados como 'crianças', enquanto que na realidade agem como criminosos adultos".
Eis aí a afirmação desprovida de qualquer realidade.
Mesmo que quiséssemos afirmar que as medidas socioeducativas previstas no ECA são leves, como dizem todos (uma advertência é leve; uma internação, não), o que importa considerar não é o que diz a lei, e sim como ela é aplicada. Talvez nenhuma lei brasileira tenha sido tão degenerada na prática quanto o ECA, o que nos leva à pergunta 3: o cidadão crítico sabe quais são as obrigações que a Constituição de 1988 e as leis impõem ao Estado, às famílias e a toda a sociedade, a respeito das crianças e adolescentes? A pergunta 4 é: o crítico avaliou as implicações do descumprimento dessas obrigações?
Todo cidadão brasileiro deveria conhecer, nem que fosse através de um mero documento audiovisual, como são as instituições onde adolescentes são internados. Conhecer sua infraestrutura, suas regras, as relações que ali dentro de estabelecem. Depois de examinar tudo isso com bastante atenção, faríamos a ele a pergunta 5: É assim que se trata uma criança?
Se o leitor em apreço acha que o menor delinquente, quando detido, vai para um spa, está na hora de acordar.
Acordemos todos, portanto.
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